sexta-feira, 23 de julho de 2010

A lei da adoção - parte 1


Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, em mim, e eu em ti, que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.

João 17:21



Introdução

Foi na cidade de Nauvoo, durante a década de 1840, que as ordenanças do templo atingiram uma maior elaboração, juntamente com as doutrinas que expressavam, incluindo os primeiros selamentos e a totalidade da investidura. Num distanciamento cada vez maior do cristianismo tradicional, a estrutura apostólica da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias via florescer uma estrutura patriarcal, com novos ensinamentos que incluíam a progressão eterna do ser humano, a origem de Deus como um homem mortal, a pluralidade de deuses ao longo das eternidades e a possibilidade do estabelecimento de unidades familiares que sobreviveriam à morte.

Joseph Smith pretendia estabelecer uma sociedade baseada em princípios divinos que englobassem cada aspecto da vida humana: no plano econômico, a lei da consagração e a Ordem Unida; no plano político, o estabelecimento do Conselho dos Cinqüenta; e no plano social, o estabelecimento de uma unidade familiar de grandes proporções, pelos princípios do casamento celestial (plural) e da lei da adoção. A adoção, como princípio doutrinário e ordenança do templo, talvez seja um dos aspectos menos conhecidos dos membros da Igreja sud contemporânea. para a implementação completa desses princípios, Joseph Smith estabeleceu outras estruturas, independentes da Igreja sud: o Quórum dos Ungidos e o Conselho dos 50. Antes da lei da adoção estar disponível para a maioria dos membros, ela foi introduzida ao grupo formado por cerca de trinta pessoas em Nauvoo, o Quórum dos Ungidos, também conhecido como Ordem Sagrada, para quem o profeta administrou as primeiras versões da investidura e dos círculos de oração.

Até 1894, os santos dos últimos dias foram ensinados sobre a lei da adoção, de acordo com a qual dois homens podiam ser selados como pai e filho dentro do novo e eterno convênio. Os selamentos entre as gerações, unindo pais e filhos, não deveriam necessariamente seguir a ordem genealógica ou biológica de uma família. Os santos poderiam ser unidos em uma única e grande família, tendo Joseph Smith como seu elo comum. A lei da adoção influenciava a vida familiar daqueles que a viviam em aspectos práticos e expressava a natureza fortemente patriarcal com que a liderança mórmon então começava a conceber o evangelho. Além disso, dava à doutrina de redenção dos mortos uma natureza distinta da que esta possui hoje em dia na Igreja sud.

Nesta primeira parte do artigo, tentarei mostrar o fundamento doutrinário da lei da adoção, algumas evidências de sua prática e a importância que teve na história mórmon. A adoção dos antepassados como posteridade dentro da obra vicária e a interrupção da prática durante a presidência de Wilford Woodruff serão analisadas na segunda parte.


Reino Familiar

Ao lado do casamento celestial plural, a lei da adoção era um princípio fundamental na visão de Joseph Smith para a construção do Reino de Deus sobre a terra. Este foi um ensinamento que Joseph transmitiu aos seus amigos mais próximos durante seus últimos anos de vida. Segunda Juanita Brooks,

A “Lei da Adoção” surgiu do conceito de “reinos, principados e poderes” nos “Mundos Celestiais”. Joseph Smith teve selados a si alguns de seus mais fiéis seguidores, entre eles os primeiros membros do Conselho dos Cinqüenta, para ajudar a estabelecer o Reino de Deus sobre esta terra e partilhar de sua exaltação no porvir. (On the Mormon frontier, the diary of Hosea Stout. University of Utah Press, 1964, p. 178, n. 50; tradução nossa)[1]


No momento em que um homem não tivesse um pai digno portando o sacerdócio, ele poderia ser selado a outro, sendo que todos os selamentos nesta dispensação deveriam eventualmente ligar cada família numa única, tendo Joseph Smith como um patriarca comum e, através dele, ligar cada indivíduo ao Pai da raça humana, Adão.
A lei da adoção, entre outros elementos, prepararia os alicerces de um governo patriarcal e teocrático sobre a terra, o qual constituiria o próprio Reino de Deus profetizado nas escrituras e do qual Joseph se considerava um dos construtores:


Acredito ser um dos agentes no estabelecimento do reino visto por Daniel, através da palavra do Senhor, e é minha intenção estabelecer um alicerce que revolucionará o mundo inteiro. (Ensinamentos do profeta Joseph Smith, p.357)


Note-se que a Igreja de Jesus Cristo havia sido organizada em 1830, mas na citação acima, em maio de 1844, Joseph Smith fala do estabelecimento do Reino de Deus utilizando uma perspectiva futura. Joseph referia-se a uma organização distinta, para a qual era necessário restaurar os antigos princípios patriarcais. O Reino de Deus, para Joseph, não teria apenas um domínio eclesiástico, mas também social e político.

B. H. Roberts, historiador da Igreja, fala da distinção entre a Igreja e o Reino:


(...) é adequado ao leitor saber que Joseph Smith, quando falando estritamente, reconhecia uma distinção entre “A Igreja de Jesus Cristo” e o “Reino de Deus”. E não apenas uma distinção mas uma separação entre elas. (...) e [Joseph] efetuou a organização de um núcleo do Reino acima referido (...) (The Rise and Fall of Nauvoo, p. 180, 181)

Brigham Young explica que a base familiar para restaurar o governo do sacerdócio - no tempo e na eternidade - poderia ser estabelecido de duas maneiras:


Há dois grandes princípios pelos quais todos os seres inteligentes têm um direito legítimo para governar e possuir domínio; estes são por gerar filhos de seus próprios lombos e por ganhar os corações de outros que voluntariamente desejam seu exercício justo de domínio estendido sobre eles. (Brigham Young, Millenial Star 15:801-804, ênfase nossa)


Além da geração natural, biológica, de filhos dentro do convênio, o princípio da adoção também poderia trazer a um homem uma posteridade eterna, com homens dispostos a ingressarem em sua família como filhos.

Em 1873, Thomas B. H. Stenhouse explicava a lei da adoção nos seguintes termos:


Esta lei da adoção pressupunha que Joseph Smith havia sido escolhido e ordenado antes da criação do mundo para ser o cabeça e governante da “Última Dispensação”. Adão, Noé, Abraão, Moisés, Elias e Jesus tiveram cada um seu lugar na história do mundo como grandes homens a quem dispensações especiais haviam sido conferidas; mas a Joseph foi dada a “Dispensação da plenitude dos tempos”, a qual, ao harmonizar a obra dos profetas e apóstolos de todas as eras, deveria ser o coroamento da obra dos céus acima e da terra abaixo.

A declaração “nenhum homem vem ao pai senão por mim” era aplicada pelos apóstolos modernos a Joseph Smith, e agora a Brigham Young, e se ele tivesse mil sucessores seria igualmente aplicável a todos eles. (...)

Os apóstolos encontraram-se com os quóruns do sacerdócio e os ensinaram-lhes que “o reino” havia sido dado a Joseph, e que era necessário, para obter a salvação, que todos os santos fossem selados uns aos outros e finalmente a ele. (The Rocky Mountain Saints, p. 495-506)


Em seu relato, Stenhouse enfatiza o papel dos apóstolos na lei de adoção. Provavelmente, ele reflete o entendimento que muitos membros das Igreja tiveram da lei da adoção, quando o status passou a ser um critério importante. A adoção, no entanto, não dependia do ofício ocupado na Igreja sud e, como veremos na segunda parte, todo aquele que realizasse a salvação de seus antepassados mortos tinha que adotá-los como posteridades.
Para Joseph, sem ser selado a um pai, um homem colocaria em risco sua possibilidade de exaltação, uma vez que a única estrutura existente no mais alto grau do reino celestial seria familiar. Na mortalidade e na eternidade, esse pai – natural ou adotivo – seria seu superior na hierarquia do sacerdócio, a quem o filho deveria honrar eternamente.
Foi provavelmente com tal noção em mente que o apóstolo Orson Hyde representou graficamente o Reino à semelhança de uma árvore genealógica (ver imagem acima).

O diagrama acima mostra a ordem e a unidade do reino de Deus. O Pai eterno senta-se à cabeça, coroado Rei dos reis e Senhor dos senhores. Onde quer que as outras linhas se encontrem, senta-se um rei e sacerdote para Deus (...). Ele é um com o Pai, pois seu reino é somado ao de seu Pai (...). Tais reinos, que são um reino, são destinados a estender-se até não somente compreender este mundo, mas cada outro planeta que gira no firmamento azul do céu. (A Diagram of the Kingdom of God, Millenial Star, 09, 15 de janeiro de 1847, p. 23-24)


A exaltação, portanto, requeria a inclusão do indivíduo nesse reino familiar, para que fosse considerado um “herdeiro legal”. De outra forma, a jornada rumo ao mais alto céu do reino celestial não seria completa:

Uma coisa é ver o reino de Deus e outra é entrar nele. Devemos ter uma mudança de coração para ver o reino de Deus e aceitar as regras de adoção para entrar nele. (Joseph Smith, History of the Church 6:58; Teachings of the prophet Joseph Smith, p. 328; ênfase nossa.)


E para que isto acontecesse, como o cabeça da sétima dispensação, Joseph Smith seria o elo entre o próprio Deus e Seus filhos nesta terra, ligando dessa forma os dois lados do véu em uma única organização familiar.

Como em qualquer outra ordenança, o princípio de revelação é o que deveria governar a escolha, para saber onde o indivíduo deveria ser “enxertado” nessa grande árvore. Brigham Young, por exemplo, foi selado ao seu pai natural, e este último a Joseph Smith. Já John Taylor, apesar de seu pai natural ser um portador do sacerdócio, fala de Parley P. Pratt como seu “pai no evangelho” . [2]




NOTAS

[1] O Conselho dos Cinqüenta era uma organização cuja existência não era de conhecimento dos membros em geral, formado por esse número aproximado de homens, tendo Joseph Smith à sua frente como Profeta, Rei e Sacerdote. Designado por revelação como “O Reino de Deus e Suas Leis com suas chaves e poder e julgamento nas mãos de Seus servos, Ahman Cristo”, foi a organização que esteve à frente da campanha de Joseph à presidência dos Estados Unidos e do êxodo para as Montanhas Rochosas, agindo de forma independente do Quórum dos Doze e da Igreja sud como um todo durante os últimos anos de Joseph.

[2] Nauvoo Diary of John Taylor, BYU Studies Vol. 23, no. 3, p. 86.

2 comments:

Leonel D'Ávila disse...

Estou ansioso pela segunda parte. De fato, nunca tinha ouvido falar sobre Lei da Adoção, Quórum dos Ungidos ou Conselho dos 50. Muito obrigado por descortinar partes tão nebulosos (e ignoradas) da nossa história.

Adriana Weber disse...

Leonel, acredito que não sejam nebulosas, apenas não chegaram ainda até nós,e são ignoradas porque ainda somos criancinhas no evangelho e vamos crescendo linha sobre linha, preceito sobre preceito... não nos será cobrado nenhum conhecimento que não nos tenha sido passado e nem negada nenhuma bênção que tenhamos direito... precisamos estar cientes que à medida que aumenta nosso conhecimento, aumenta nossa responsabilidade... que nosso Deus é um Pai justo e amoroso, e realmente conhece cada um de nós, devemos fazer nossa parte no plano e todas as coisas nos serão acrescentadas... não nascemos nesta época e neste lugar por acaso...

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