domingo, 24 de outubro de 2010

Os 25 anos do caso Mark Hoffman

Na manhã do dia 15 de outubro de 1985 a cidade de Salt Lake foi abalada, com a explosão de duas bombas cada uma matou um pessoa, Steven Christensen e Kathy Sheets. No dia seguinte mais uma explosão e então ficava claro que um assassino em série estava à solta e ninguém sabia quem seria sua próxima vítima. As vítimas das bombas eram Steven Christensen que era ligado a uma importante companhia financeira em crise, e a primeira idéia que se teve do atentado é que fosse motivado por vingança por acordos de investimentos mal-sucedidos, já a segunda vítima era Kathy Sheets, esposa de um ex-patrão de Christensen, mas quando a terceira bomba explodiu e por pouco não matou Mark Hoffman, o foco das investigações mudou drasticamente.



Mark Hoffman nesta ocasião era um bem conhecido negociante de documentos antigos ligados ao Mormonismo e História americana que se destacava por encontrar alguns documentos raros e interessantes. Mas foi por sua conexão com a história Mórmon e Steven Christensen, vítima das primeiras explosões, interessado em história Mórmon e suas intenções em juntar documentos antigos da Igreja logo ficava claro que os motivos destes atentados deveria ter algo haver com a história Mórmon. Logo esta coleção de documentos, conhecida como McLellin, talvez tenha sido o grande fator para estes atentados.

Diretamente do carro de Mark Hoffman, de onde a terceira bomba explodiu, vieram os primeiros indícios para a sua suspeita no envolvimento dos assassinatos e durante as investigações verificou-se de que se tratava de um falsificador de documentos, tais como:

A Bênção de Joseph Smith III, documento com bênção dada por Joseph Smith à seu filho Joseph Smith III aonde o designava como seu sucessor, presumidamente escrita por Thomas Bullock  e datada de 27 de janeiro de 1865, nela Bullock menciona que Brigham Young destruiu as outras cópias da bênção como forma de manter-se na presidência. Na ocasião em que Hoffman ofereceu para venda este documento à Igreja SUD esta não aceitou o valor pedido, no que insinuou oferecer à Igreja Restaurada, que acredita ser a verdadeira sucessora dos ensinamentos de Joseph Smith. Mediante este impasse o arquivista da Igreja SUD teria aceitado o pedido de Hoffman, que não satisfeito quis que o documento viesse à público como é possível ler nas manchetes do New York Times de Março de 1981 “Documento Mórmon levanta dúvida quanto à sucessão dos líderes da Igreja”

A Transcrição de Anthon,  uma folha de papel que continham alguns hieróglifos egípcios que era conhecido como o papel que Joseph Smith usou para copiar os caracteres das placas de ouro do Livro de Mórmon e entregou à Martin Harris que o levou ao professor Charles Anthon que os autenticou, um dos episódios mais conhecidos da história mórmon.

A Carta de Josiah Stowell,  uma suposta carta escrita por Joseph Smith à Josiah Stowell aonde ele explanava de forma abrangente seu envolvimento com caça à tesouros enterrados e magia branca nos anos anteriores ao seu chamado como profeta.

A Carta da Salamandra ou a carta da salamandra branca, uma carta que era supostamente escrita por Martin Harris à W.W.Phelps, onde ele relata como encontrou Joseph Smith e as diferentes estórias de como Joseph recebeu as placas de ouro. Neste relato ele menciona muitas crendices e supertições da época e não há relato de um anjo Moroni nas primeiras aparições à Joseph, que vai de encontro ao que é ensinado hoje na Igreja.

Estes são apenas alguns dos documentos que foram falsificados por Mark Hoffman, mas foram alguns dos mais polêmicos e neles se traduzia o grande desejo de Hoffman de trazer abaixo o movimento Mórmon e ainda obter lucro juntamente com este esforço. E também era um sério estudioso da história SUD,  sabia aonde as controvérsias se encontravam e as explorava através de suas falsificações que sabia que em algum momento estes documentos iriam vir à tona, também sabia que grandes colecionadores mórmons e de história americana iriam pagar por eles.

Ainda assim, foram vários meses de investigaçòes para a polícia até se descobrir que Mark Hoffman era o autor dos atentados, assim como suas falsificaçòes. Mas um ano depois ele foi sentenciado à pena perpétua depois de uma negociação para evitar a pena de morte, a condição foi de que Hoffman revelasse por completo suas ações quanto aos assassinatos e suas técnicas de falsificação, para que pudessem se prevenir contra novas ações no futuro, até este momento ele já tinha enganado muita gente, além dos peritos em falsificação.

Hoje em dia, Mark Hoffman cumpre sua pena na penitenciária de segurança máxima do Estado de Utah e ainda hoje em dia seu trabalho eventualmente aparece para desafiar o trabalhos dos peritos e estudiosos em história mórmon. Recentemente um depoimento relacionado ao Massacre em Moutain Meadows que intencionava em recontar a ordem dos eventos de uma forma mais ampla reacendeu a preocupação de mais documentos similares aparecerem no futuro.

Já há membros que se sentem traídos por este evento  e vêem o interesse da Igreja em adquirir estes documentos sejam verdadeiros ou falsos como uma forma de suprimir suas fontes históricas, já para outros uma das grandes questões neste caso Hoffman, era de que o mesmo se encontrou várias vezes com o profeta Spencer W.Kimball e Gordon B.Hinckley, este apóstolo na ocasião e outros membros do Quórum dos Doze e todos estes líderes, profetas, videntes e reveladores fracassaram em detectar as intenções e documentos de Mark Hoffman como fraudulentos e outros se incomodam com o fato de que os líderes da Igreja eram mais que discretos com a informação ou propositalmente eram vagarosos em cooperar com a investigação do assassinato e das falsificaçòes que a polícia tentava fazer. Ainda mais por se tratar de duas vidas que foram perdidas.

Em outubro de 1987, dois anos após os eventos a Igreja publicou na sua Revista de circulação mensal, a Ensign um artigo do Elder Dallin H. Oaks, membro do Quórum dos Doze, tirado de um discurso seu na Universidade de Brigham Young em 06 de agosto de 1987 intitulado “Eventos Recentes envolvendo a História da Igreja e documentos forjados

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Mórmons e maçons (e antimaçons também): um tema necessário

Eu consigo guardar um segredo até o dia do juízo final.
O segredo da maçonaria é guardar um segredo.
Joseph Smith

Foi na quarta ou quinta série que ouvi uma colega perguntar à professora de história se a maçonaria era a igreja do diabo. A surpresa que senti foi enorme, mas nada comparado ao que sentiria vinte anos depois, enquanto ensinava uma aula da Escola Dominical. Discutindo as combinações secretas narradas no Livro de Mórmon, alguém com décadas de experiência como membro da Igreja disse que a maçonaria se encaixava na descrição daquelas antigas conspirações.

Como filho e neto de maçons, na infância, via a maçonaria como algo divertido e atraente (com símbolos, segredos e roupas estranhas); ao longo dos anos, minha percepção continuou a ser sempre positiva, enxergando uma instituição benéfica tanto para maçons quanto não-maçons (com a prática da caridade e o incentivo para serem pessoas íntegras) e compatível praticamente com qualquer religião (uma vez que havia maçons de diferentes credos). Como adulto, longe de idealizá-la, fui capaz de ver seu aspecto humano, como o de qualquer outra instituição. Mas ainda levaria muito tempo para entender aquela pergunta ouvida aos 10 anos de idade como uma pergunta normal, a partir da perspectiva da nossa cultura.

Como um converso ao mormonismo, ao saber sobre a influência maçônica sobre Joseph Smith e ver no templo símbolos que conhecia como de origem maçônica, não senti nenhum conflito ou contradição, como sei que muitos sentem ou já sentiram. Ao contrário, pude sentir certo pertencimento ao ver símbolos que haviam sido incorporados ao meu imaginário pelo ambiente familiar e que ali tinham seus significados ampliados. Tampouco imaginei que um profeta não pudesse utilizar tradições já conhecidas para nelas encontrar verdades sublimes. Ainda levaria muito mais tempo, porém, para entender aquele comentário, feito na Escola Dominical, e reconhecê-lo como legítimo, dados o tratamento recebido pelo tema dentro da Igreja, a leitura promovida do Livro de Mórmon dentro desse contexto e a dificuldade que tem a maioria de nós, mórmons, de lidar de forma positiva com outras tradições ou organizações de natureza espiritual ou religiosa.

E para alguém familiarizado com a influência maçônica sobre Joseph Smith, foi interessante saber que a leitura antimaçônica do Livro de Mórmon - expressa por aquele membro na Escola Dominical - não era só possível, como historicamente havia existido e influenciado conversos de renome dos primórdios do mormonismo, como Martin Harris e William W. Phelps.

A conexão histórica entre mormonismo e maçonaria é um fato reconhecido por ambas as instituições e tem sido objeto de vários estudos. A profundidade dessa conexão, seus primórdios e desdobramentos, no entanto, parecem não ter sido ainda totalmente explorados pela grande maioria de maçons e mórmons interessados no assunto. Há, muitas vezes, um reducionismo que tende a explicar a iniciação de Joseph Smith na fraternidade maçônica como uma busca de proteção política – como na explicação da Igreja sud atual - ou uma cópia dos rituais maçônicos – de acordo com a visão de certos críticos do mormonismo, maçons ou não.

Em parte, tais limitações podem ser explicadas pela falta de compreensão que cada instituição tem da outra, pela necessidade de “defender” a si próprias, além da relativa falta de fontes primárias que lancem maior luz sobre a questão. Até mesmo mórmons que são também membros de lojas maçônicas muitas vezes optam por ignorar as complexidades e contradições da relação histórica entre os dois campos, optando pela mera apologia ou defesa, perante outros mórmons, de sua dupla filiação.

Entre muitos mórmons pode ser sentido um medo de lidar com informações que sugiram influências recebidas por Joseph Smith de seu meio, sua época e, especialmente, que sugiram que aspectos considerados únicos do mormonismo possam ter sido influenciados por outras tradições; ou, pior ainda, que Joseph Smith tenha deliberadamente incorporado ou feito empréstimos de conceitos e cerimônias de outras tradições ou organizações à sua volta. O receio provavelmente é de que tais informações possam comprometer a crença na origem divina da restauração e na posição de Joseph Smith como um profeta. Tal atitude contradiz a visão, tão presente no mormonismo, de que a inteligência e arbítrio humanos estão presentes no processo de aprender verdades divinas:


O mormonismo, talvez mais do que a maioria das religiões, reconhece o elemento humano no processo revelatório, seja ao iniciar aquele processo (D&C 9) ou prover as categorias conceituais e limites dentro dos quais uma dada revelação é entendida. O Livro de Mórmon prontamente reconhece "erros dos homens" em seu prefácio e as revelações em Doutrina e Convênios vêm dos servos do Senhor “em sua fraqueza, segundo o modo de sua linguagem, para que possam alcançar entendimento”, apesar da sua tendência a errar (D&C 1:24-28). Por que [esse mesmo processo revelatório que reconhece a iniciativa humana] seria diferente com as revelações sobre a obra do templo? (Armand L. Mauss, "Culture, Charisma and Change: Reflections on Mormon Temple Worship," Dialogue: A Journal of Mormon Thought 20 (Winter 1987):p. 79)



Caso levássemos ao limite do absurdo esse mesmo receio de que certas evidências históricas possam comprometer o testemunho sobre a divindade da restauração, seríamos levados a menosprezar a influência do texto bíblico sobre a família Smith, uma vez que a Bíblia era um texto comum aos diferentes ramos do cristianismo que Joseph Smith declarava serem distorções da verdade original. É claro que nenhum mórmon pensaria isso. Isso porque a utilização do texto bíblico não compromete a crença na origem divina do mormonismo, seja frente a críticos ou seus próprios membros. Não há nenhum dedo apontado nessa direção. Aparentemente, os aspectos que nos ligam aos demais ramos do cristianismo são enfatizados pela Igreja moderna, enquanto os aspectos mais distintivos das doutrinas e práticas mórmons, em particular do passado, tendem a ser negligenciados ou subestimados na história oficial. A influência dos rituais e da simbologia maçônica sobre a tradição religiosa inaugurada por Joseph Smith parece ser um desses aspectos marginais da história mórmon, ao menos no que concerne a versão ensinada e utilizada no cotidiano da Igreja.

Quando se fala da influência maçônica sobre Joseph Smith, o sentimento de perigo pode atingir seu ápice, uma vez que tal influência ainda hoje se reflete, ainda que com menor intensidade do que antes de 1990, nos rituais considerados mais sagrados da Igreja sud, realizados no templo. Provavelmente, os templos mantidos pela Igreja sud permanecem sendo o aspecto mais controverso do mormonismo, com sua natureza secreta e seletiva até mesmo para os próprios membros. O conhecido jogo de palavras que nega haver segredos no templo e ressalta o seu aspecto sagrado expressa tão somente uma concepção negativa da ideia de segredo, desenvolvida na Igreja moderna, e uma tentativa de desassociar as ordenanças de sua referência maçônica. Na prática, porém, requere-se do membro que recebe a investidura guardar segredo sobre certos elementos da ordenança.

Ao associar as cerimônias mais sagradas da religião mórmon, realizadas em um local que ainda gera certa desconfiança entre não-membros, a uma instituição que pode gerar desconfiança tanto entre membros quanto não-membros, a atitude defensiva encontra um terreno ideal para florescer. A ideia muitas vezes concebida, ainda que poucas vezes enunciada, é que ou Joseph Smith recebeu uma revelação sobre o templo ou fez empréstimos dos rituais maçônicos: uma coisa ou outra.


Aqueles que negam qualquer relação, ou argumentam que as semelhanças entre os dois [maçonaria e mormonismo] são superficiais, estão preocupados que o uso de rituais maçônicos por Joseph Smith seja inconsistente com seu papel profético. Outros se concentram nas semelhanças para fortalecer a ideia de que Smith fez muitos empréstimos da franco-maçonaria sem o benefício de inspiração. Esta abordagem “tudo ou nada” se combina com o segredo associado aos rituais para criar uma relutância em discutir o assunto em qualquer detalhe significante. (Michael W. Homer, "Similarity of Priesthood in Masonry": The Relationship between Freemasonry and Mormonism. Dialogue: A Journal of Mormon Thought 1994: p. 02)



Um autor maçom que nega a definição da maçonaria como uma “sociedade secreta” dá esta interessante definição do segredo para o maçom: “O segredo maçônico é em si mesmo um símbolo; e, como os demais símbolos maçônicos, ele veicula uma instrução”. Alguém, como Joseph, que estava familiarizado com as “denúncias” dos rituais maçônicos, talvez pudesse imaginar que os novos rituais realizados pelos santos dos últimos dias também seriam mais cedo ou mais tarde “revelados” ao público. Onde permanece o segredo numa era em que os recursos tecnológicos tornaram sua exposição ainda mais rápida e detalhada? Ao definir tal símbolo – o segredo - como o (grande) segredo da maçonaria, estaria Joseph Smith incorporando a mesma visão às ordenanças do templo mórmon? [1]

A dificuldade ainda se intensifica com a impossibilidade histórica de datar os rituais maçônicos a um período anterior ao século XVIII. Como em outros dilemas da cultura sud, armamos a própria armadilha ao colocar de lado qualquer outra fonte de “veracidade” que não seja histórica ou muito antiga. Como se o poder simbólico de narrativas e representações pudessem depor contra nós, caso não sejam antigas o suficientes para ser exibidas como fatos. Dessa forma, a riqueza – e, simultaneamente, a simplicidade – do simbolismo maçônico é desconsiderada como um dos meios disponíveis que Joseph Smith tinha ao seu redor para expressar conceitos e princípios dos rituais do templo.

Uma vez que profetas e religiões sempre surgem e são nutridos dentro de um dado contexto cultural, também dinâmico, não deveria ser difícil entender por que mesmo as revelações mais originais devem ser expressas na linguagem da cultura e biografia do revelador. (Mauss, ibidem: p. 80)



Mas qual o preço a ser pago com esse olhar seletivo que ignora uma influência tão importante do passado mórmon e que ainda se reflete em nosso presente? Em 1974, o historiador Reed C. Durham dizia que o estudo sobre a maçonaria e sua influência sobre o mormonismo constituía uma “chave para o futuro entendimento de Joseph Smith e a Igreja”. Sua afirmação sugere que nosso entendimento atual sobre a restauração e Joseph Smith é reduzido e corre o risco, quem sabe, de ser distorcido.

Durham, à época diretor do Instituto de Religião da Universidade de Utah foi censurado pelo Sistema Educacional da Igreja e nunca mais abordou o tema em público, num claro exemplo de como a discussão sobre a influência maçônica sobre o mormonismo estava longe de ser bem recebida pelos canais oficiais da Igreja. O chamado de Durham, porém, não foi em vão, de forma que muitos acadêmicos escreveram e têm escrito sobre o mesmo tema. As novas informações disponíveis, as novas perguntas formuladas e suas possíveis respostas estão longe, no entanto, de alcançarem a maioria dos membros sud.

Em nosso país, isso é ainda mais verdadeiro, uma vez que há uma carência de publicações em língua portuguesa sobre temas de interesse histórico e cultural. Também é necessário reconhecer que a cultura majoritariamente católica do país e sua rejeição histórica da maçonaria por questões políticas que remontam ao império parece marcar a cultura nacional, o que talvez torne os membros brasileiros da Igreja particularmente avessos a refletir sobre a conexão entre mormonismo e maçonaria.

Grande parte dos trabalhos sobre maçonaria e mormonismo foca o período de Nauvoo, quando uma loja maçônica é formada pelos mórmons na sua nova cidade e seu profeta é iniciado formalmente na ordem. No entanto, o contato de Joseph Smith com a maçonaria antecede em muito o período de Nauvoo. Sua introdução à maçonaria na década de 1840 foi “apenas o florescimento de uma relação que teve sua raiz no estado de Nova York antes da publicação do Livro de Mórmon”. (John E. Thomson, The Facultie of Abrac: Masonic Claims and Mormon Beginnings. The Philalethes Society, December 1982)

A restauração levada a cabo por Joseph Smith era "cósmica em seu alcance, que penetrava o espaço até os confins da terra e os limites exteriores do próprio universo". [2] Toda forma de conhecimento que pudesse aproximar o ser humano de seus progenitores celestiais pertencia ao mormonismo. A maçonaria foi vista por Joseph Smith como uma importante forma simbólica de conhecimento, a qual o mormonismo precisava restaurar ao seu propósito original. A restauração do evangelho original não podia dispensar uma restauração da maçonaria original.

Naquela manhã, na Escola Dominical, a única coisa que pude fazer foi dizer que Joseph Smith havia se tornado maçom para buscar um conhecimento sobre o templo que ele acreditava estar nela presente. Provavelmente, deve ter sido uma surpresa para muitos que acreditam num processo revelatório em que Deus provê as respostas sem que o ser humano faça seu dever de casa ou busque as respostas à sua volta. No entanto, tenho cada vez mais me convencido de que não há melhor maneira de lidar com a falta de informação do que provendo a informação que falta. Isso deve soar óbvio demais.

A influência maçônica sobre Joseph Smith e os primórdios da Igreja sud não se limitam aos rituais do templo, mas apresentam paralelos na organização do sacerdócio de uma forma mais ampla; também é muito evidente na formação da Sociedade de Socorro, pensada originalmente como uma espécie de maçonaria feminina; e talvez mais importante e menos debatida seja a influência maçônica sobre a tentativa de Joseph Smith de “reformar” os santos em seus últimos meses de vida, proclamando uma religião alicerçada sobre “grandes princípios fundamentais” disponíveis a toda humanidade; temas sobre os quais vou escrever nos próximas semanas.


NOTAS


[1] MCNULTY, W. Kirk. A maçonaria: símbolos, segredos, significado. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 17.

[2] ALLEN, C. Leonard; HUGHES, Richard T. Illusions of innocence: Protestant primitivism in America, 1630-1875. Chicago: University of Chicago Press, 1988, p. 138.

sábado, 9 de outubro de 2010

A Restauração do Sacerdócio, parte 2

Livro de Mandamentos
Pouco depois de terem chegado à casa de Peter Whitmer, de acordo com depoimentos, Joseph  e Oliver receberam autoridade adicional da mesma forma que a anterior. Agora eles seriam capazes de conferir o dom do Espírito Santo.  Foi prometida à Joseph esta autoridade maior quando ele se batizou, ele estava “ansioso” e “diligente em oração” para recebê-la. Ele explicou como Deus deu-lhe esta autoridade na casa dos Whitmer em junho de 1829:

Nós estávamos por algum tempo empenhados neste assunto em humilde oração e a medida que nós nos reuníamos no quarto superior da casa do Sr.Whitmer para buscar ao Senhor que então buscávamos com todo nosso coração... (Nós) estávamos há algum tempo dedicados em solene e fervorosa oração , quando a palavra do Senhor veio até nós naquele quarto, nos mandando que eu deveria ordenar à Oliver Cowdery para ser o Élder de A Igreja de Jesus Cristo e que ele também deveria me ordenar ao mesmo ofício e então ordenar a outros...
(Nós) fomos, no entanto, mandados a postergar esta ordenação até que pudéssemos ter nossos irmãos que foram e que seriam batizados congregados juntos...Dean C.Jessee, ed., The Papers of Joseph Smith: Autobiographical and Historical Writings (Salt Lake City:Deseret Book  Co., 1989), 1:299.

Esta reunião e as pré ordenações tomaram lugar no dia 6 de abril de 1830, o dia em que a Igreja foi organizada. Dois meses depois um revelação publicada no Livro de Mandamentos fazia referência ao novo e maior autoridade do sacerdócio ao afirmar que “mandamentos foram dados à Joseph, que foi chamado por Deus e ordenado um apóstolo de Jesus Cristo e também à Oliver, que também fora chamado por Deus um apóstolo de Jesus Cristo, um Élder em sua Igreja e ordenado sob suas(Joseph) mãos.”  Em outras palavras, eles receberam o chamado na casa dos Whitmer e ordenado a cada um deles na primeira reunião da Igreja e o grupo autorizou os dois homens a funcionar como élderes. Administração de anjos não foi mencionada. O Livro de Mandamentos continua e explica que um Élder guarda a autoridade de presidir, ordenar outros Élderes e conferir o dom do Espírito Santo. Livro de Mandamentos 24:3-4, 32-35 veja também Doutrina & Convênios 20:2-3, 38-45.

O termo Élder era também na ocasião sinônimo do termo apóstolo e não deveria ser confundido com o posterior ofício ou chaves de apóstolos, ambos somente seriam introduzidos por volta de 1835.

Inicialmente, qualquer um que fosse ordenado a Élder era considerado um apóstolo. O Livro de Mandamentos diz: “Um apóstolo é um Élder.” Livro de Mandamentos 24:32 veja também Doutrina & Convênios 20:38, 21:1, 10-11.

Em uma carta datada de 1830 de introdução de Orson Pratt ao ramo de Colesville, Joseph Smith e John Whitmer chamaram Pratt de “outro servo e apóstolo” Pratt tinha sido recém ordenado a Élder um dia antes. Sidney Rigdon escreveu em 4 de janeiro de 1831:  “Eu lhe envio esta carta por John Whitmer. Receba-o, pois ele é um irmão muito amado e um apóstolo desta Igreja.” Whitmer era um Élder. Ezra Booth registrou em 1831 que Ziba Peterson um missionário que tinha cometido um delito, “foi privado de sua posição como Elder e apostoladoErza Booth a Edward Partridge, 20 de setembro de 1831; Sidney Rigdon aos irmãos de Ohio, 04 de janeiro de 1831 em E.D.Howe, Mormonism Unvailed (Painesville OH, pelo autor, 1834) 110, 208. Jared Carter registrou em seu diário em 1831 que foi ordenado a Élder , “Eu recebi a autoridade de um apóstoloDiário de Jared Carter, setembro de 1831, 35, LDS Archives.

O Livro de Mandamentos indica a autoridade de Joseph para fundar a igreja. Capítulo 24, de junho de 1830 diz que Joseph:
1-“recebeu o perdão de seus pecados”;
2-recebeu o “chamado...para seu trabalho santo” de um anjo que lhe deu os meios necessários para traduzir o Livro de Mórmon;
3-que anjos mostraram o livro à outros que “confirmaram” dele;
4-que a Igreja de Cristo foi organizada em 06 de abril de 1830 e que;
5-no mesmo dia Joseph e Oliver ordenaram um ao outro a Élderes, tendo sido “chamados por Deus” para assim fazê-lo concluindo;
6-“Portanto tendo sido grandes testemunhas, por eles o mundo deverá ser julgado.” Livro de Mandamentos 24:1-12 veja também Doutrina & Convênios 20:1-13, que data de abril de 1830.

Nada ainda sugere de que Joseph e Oliver tinham recebido autoridade através de uma ordenação angelical.

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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Quais São os Maiores Eventos na História da Igreja no Brasil?

A história da Igreja no Brasil é algo mal conhecido, percebido como algo quase sem importância, pois nunca se fala nela na Igreja. Mas eu acho essa percepção errado. A história tem muita importância, e é muito relevante para nossas vidas atuais. Ela nos ajuda a entender por que estamos na situação atual, e dá-nos exemplos de o que fazer, ao mostrar-nos exemplos semelhantes à nossa situação.

No caso da Igreja no Brasil, se nós olhassemos ao estado da Igreja aqui, veriamos muitas diferenças entre o Brasil e os outros países no mundo: Por que o Brasil tem mais missões que qualquer outro país fora dos EUA? Por que os membros pioneiros no Brasil sempre tem nomes alemães? Por que a Igreja se concentra no sul do Brasil e em São Paulo? Podemos explicar essas diferenças estudando a história.

A fim de dar um primeiro passo ao entender da história da Igreja no Brasil, propunho que façamos uma lista dos maiores eventos nessa história. Duvido que eu tenha incluído na lista todos os eventos de importância, portanto, peço que os leitores adicionam nos comentários outros eventos importantes:
  • 1913 — Chegada de Max Richard Zapf, membro da Igreja na Alemanhã, para o Brasil. Ele é o primeiro membro da Igreja no Brasil.
  • 1927, Setembro — Os primeiros dois missionários permanentes, Élders William Heinz e Emil Schindler, chegam em Jionville e começam a trabalhar. Depois de somente três meses de trabalho, já tinham 70 pessoas nas reuniões cada domingo.
  • 1939 — O Presidente da Missão Brasileira, em frente da lei Brasileira, muda a língua da Igreja no Brasil do alemão para o português.
  • 1966 — Cria-se a primeira estaca no Brasil, com Walter Spatt como o primeiro presidente de estaca.
  • 1978 — Poucos meses antes da dedicação do Templo de São Paulo, o Profeta Spencer W. Kimball recebe uma revelação estendendo o sacerdócio a todos os homens dignos.
Com certeza há outras datas importantes—dos quais não tenho conhecimento. Espero que mais alguem possa adicionar outras datas importantes. Mesmo com outras datas, acho que essa lista possa esclarecer um pouco da história da Igreja no Brasil.

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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Martírio de Joseph Standing

Hoje mal conhecido, o martírio de Joseph Standing foi, na sua época, uma das mais conhecidas evidências de perseguição contra os membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. E ainda hoje, ele representa pelo menos um dos possíveis, embora não muito comuns, perigos do serviço missionário. Mais interessante, o evento pode nos faz pensar no nosso comportamento frente à perseguição e ameaça. Caso enfrentarmos tal dificuldade, como agiríamos?

Em março de 1878, Standing, de 24 anos, foi chamado para servir na Southern States Mission (Missão dos Estados do Sul), a qual incluiu os mesmos estados que rebelaram na guerra civil dos EUA. Esta foi sua segunda missão, pois Standing já tinha servido como missionário nos estados de Illinois e Indiana, começando em 1875. Como veterano, Standing foi chamado, junto com Matthias F. Cowley (mais tarde um apóstolo), como um "traveling Elder" (Élder viajante - semelhante a um líder de zona ou assistente ao presidente nas missões atuais).

Em Abril do ano seguinte, Standing foi designado como o presidente da conferência de Georgia (na época, uma conferência era como um distrito de missão é agora), e seu companheiro era um missionário recém-chegado de 22 anos, Rudger Clawson (também um apóstolo anos depois da missão). Os dois tinham muito sucesso nas áreas rurais do norte do estado de Georgia. Como era o costume na época, a maioria dos conversos imigraram para Utah, a fim de se juntarem com a Igreja.

A oposição local também surgiu em face aos esforços missionários, e as vezes chegou a violência. Standing reconheceu o perigo, como indicou numa carta ao Deseret Evening News de Salt Lake City:
A pessoa que viaja entre o povo do sul sabe que apesar de terem sido derrotados pelo Norte (na guerra civil), ainda há um sentimento de inimizade existente em seus corações, que só precisa de um pouco de brisa para inflamar as paixões para atos de carnificina e conflitos.


E Standing até pediu ajuda das autoridades civis para evitar um conflito. No 12 de Junho de 1879, ele escreveu para o Governador do estado de Georgia, pedindo ajuda:
"Estou plenamente consciente, meu senhor, que o preconceito popular é muito contra os Mórmons, e que há policiais menores que aparentemente piscaram para as condições das quais referi acima. Mas eu também estou ciente de que as leis da Geórgia são absolutamente contra a todas as ilegalidades. Elas estendem-se aos cidadãos do estado o direito de adorar a Deus segundo os ditames da consciência. Uma palavra ou uma linha do governador, sem dúvida, teria o efeito desejado. Ministros do Evangelho poderiam viajar sem medo de ser apedrejados ou de receberem tiros e as casas dos Santos não pode ser celebrado a despeito de todas as boas leis e da ordem ".

O governador respondeu que Élder Standing tinha razão, mas ele não fez nenhum anúncio sobre o assunto, e referiu o assunto ao procurador local.

Umas poucas semanas depois, Standing e Clawson estavam viajando da cidade de Varnell no caminho para Rome, Georgia quando uma dúzia de homens armados lhes abordaram. Um deles lhes disse:
O governo dos Estados Unidos está contra você, e não existe nenhuma lei no estado de Georgia para os Mórmons.

Esse grupo conduziu os missionários dentro de um bosque próximo a uma nascente. O líder do grupo disse-lhes: "Eu quero que vocês entendem que eu sou o capitão deste partido, e que, se os encontramos de novo nesta parte do país, vamos enfocá-los como cães." Mas apesar desta ameaça, parece que eles não queriam matar os missionários. Depois de uma hora de vis acusações lançadas contra os Mórmons e conversa bestial da turba, três dos homens exigiram que os missionários os acompanhavam.

Mas Standing conseguiu pegar uma pistola que um membro da quadrilha havia deixado descuidado por perto. Numa voz alta, ele mandou que eles se rendessem. Em resposta, Standing recebeu um tiro na testa, acima do nariz.

Em seguida, a quadrilha quase matou Clawson, o companheiro de Standing, também. Um membro do grupo apontou para Clawson e disse: "Dá um tiro naquele homem." Clawson cruzou os braços e disse: "Disparar". Enquanto ele manteu uma aparencia calma e serena, ele quase desmaiou na ansiedade do momento. Por razões desconhecidas, o mesmo homem que há momentos tinha mandado a quadrilha para disparar em Clawson agora disse: "Não disparem."

Clawson então examinou o corpo de seu companheiro, e outro membro da quadrilha então disse, "Isso é terrível, que ele deveria ter-se matado desta forma," alegando assim que Standing acidentalmente atirou em si mesmo ao levantar sua arma.

Clawson conseguiu permissão para buscar ajuda de um vizinho. Assim que ele podia, mandou um telegrama para o governador, dizendo "Joseph Standing foi baleado e morto hoje, perto de Varnell, por uma quadrilha de dez ou doze homens." Ele também mandou notícias para Salt Lake City, e em dias acompanhou o corpo na volta para casa.

O governador do estado ofereceu uma recompensa de $500,00 para "a captura dos assassinos do Élder Mórmon," acompanhado de treze mandados de captura emitidos pelo xerife local. Mas somente três da quadrilha foram acusados. Mas depois de três dias de processo, até esses três foram absolvidos pelo tribunal.

Mas o martírio de Joseph Standing permaneceu alguns anos na memória da Igreja. O profeta, John Taylor, deu um discurso funerário, e no próximo ano os jovens da Igreja puseram um monumento no túmulo. Em 1886 saiu o livro, The Martyrdom of Joseph Standing or, the Murder of a "Mormon" Missionary (O martírio de Joseph Standing ou, o assassinato de um missionário mórmon). Mais importante, seu companheiro, Rudger Clawson, foi escolhido para fazer parte do Quorum dos Doze Apóstolos em 1898, e assim estendeu a lembrança do martírio.

Até agora, a lembrança de Standing continua entre os historiadores e alguns líderes da Igreja. Outro monumento foi dedicado no sítio do martírio em 1952, e a propriedade foi doado para a Igreja, e continua até agora como um parque mantida pela Igreja. Também, um dos edifícios no centro de treinamento missionário em Provo, Utah tem o nome de Joseph Standing.

Mas hoje o evento está quase desconhecido entre os membros da Igreja. Que pena!

O que falta é saber como responder às questões levantadas por este evento. Dessas, o principal está nas ações de Standing. Poderia ele ter sobrevivido se não tivesse pegado na pistola da quadrilha? Ou se não tivesse os ameaçado? E se pudesse ter sobrevivido, poderíamos ainda chamar o evento de martírio?

Eu também gostaria de saber o que devemos pensar quando um missionário morre. É sempre martírio? Devemos honrá-lo sempre? Deve a Igreja reconhê-lo no público? (pois a Igreja não 0 faz agora!)

Apesar dessas perguntas, eu creio que Standing foi mártir, e sua história é digna de divulgar.

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terça-feira, 14 de setembro de 2010

A Restauração do Sacerdócio, parte 1

Este é um outro assunto fascinante da história SUD e para trazê-lo à luz sob o olhar histórico deste blog, permitam-me utilizar de alguns textos trazidos da primeira edição de nosso já conhecido Doutrina & Convênios, antes chamado de Livro de Mandamentos e também o relato de Lucy Smith, mãe do profeta, David Whitmer, uma das três testemunhas do Livro de Mórmon além de outros documentos.

Em 1833 aparece oficialmente pela Igreja SUD, a primeira citação sobre a autoridade do Sacedócio no Livro de Mandamentos.

De acordo com uma revelação citada na seção 15:6-7. Oliver Cowdery foi “batizado(um mês antes) pela mão do meu servo Joseph, do modo que Eu havia ordenado”. Livro de Mandamentos 15:6-7 em Wilford C.Wood, Joseph Smith begins his work: O Livro de Mandamentos, 2 volumes,  Salt Lake City, 1962, Vol.2 – confronte-se com Doutrina & Convênios 18:7.

Lucy Smith, explicou sob seu olhar, as circunstâncias sob as quais este mandamento chegou à seu filho, na ocasião em que Joseph e Oliver traduziam o terceiro capítulo de Néfi do Livro de Mórmon:

Numa manhã, não obstante, eles se puseram como de costume a fazer seu trabalho, quando a primeira coisa que se apresentou a Joseph foi o mandamento de Deus de que ele e Oliver deveriam descer às águas e cada um deles ser batizado.
Eles imediatamente foram ao rio Susquehanna e obedeceram ao mandamento lhes dado através do Urim e Tumim. Quando voltavam para casa ouviram a Samuel Smith em oração num lugar recluso. Eles haviam recebido a autoridade para batizar... E eles contaram à Samuel que lhes seguiu direto para também ser batizado.
" Lucy Smith's Preliminary Manuscript, ditado a Martha Jane Conray, 1844-45, original se encontra nos arquivos do Historical Departament, Church of Jesus Christ of Latter-day Saints, Salt Lake City, Utah (LDS archives) citado em Early Mormon Documents, ed. Dan Vogel, 3+ vols. (Salt Lake City: Signature Books, 1996-), 1:381.

Em 1885, David Whitmer, um outro membro da Igreja de Nova Iorque e uma das três testemunhas especiais do Livro de Mórmon, contou a mesma versão acima de como Joseph e Oliver receberam a autoridade:

Eu mudei a Joseph Smith e Oliver Cowdery para a casa dos meus pais em Fayette, condado de Sêneca, Nova Iorque de Harmony, Pensilvânia, no ano de 1829(para que pudessem terminar o trabalho de tradução do Livro de Mórmon.) No caminho eu conversei à vontade com eles sobre este grande trabalho que eles estavam fazendo e Oliver me disse na presença de Joseph de que eles batizaram-se um ao outro procurando cumprir com aquele mandamento... Eu nunca ouvi de que um anjo havia ordenado à Joseph e Oliver ao Sacerdócio Aarônico até o ano de 1834 ou 1836 em Ohio. Minha informação de Joseph e Oliver sobre esta questão se mantêm conforme eu afirmei, de que eles haviam recebido este mandamento através de revelação dada à Joseph. Eu não creio que João Batista houvesse jamais ordenado à Joseph e Oliver como dito e acreditado por alguns. Eu considero que este seja um erro, um equívoco.

David Whitmer em entrevista a Zenas H.Gurley Jr.em 14 de janeiro de 1885, typescript, LDS archives. Veja Edward Stevenson Journal de 09 de fevereiro de 1886 e citado em Stenson Family History por Joseph Grant Stevenson, Provo, Utah, 1955) 1.177-78.

Alguns argumentam de que a razão de que ninguém ouviu sobre a ministração de anjos antes é como Joseph Smith disse em 1838:

Nós fomos forçados a guardar segredo sobre as circunstâncias do recebimento do Sacerdócio e sobre nosso batismo, devido ao espírito de perseguição instalado em nossa vizinhança...” (Harmony, Pensilvânia) Nós fomos ameaçados de ser atacados. (JS-History 1:74-75).

Sob a luz dos depoimentos de David Whitmer e Lucy Smith, Joseph parece que pretendia manter seu batismo e o de Oliver e o recebimento do Sacerdócio fora do alcance de seus inimigos, mas não de seus seguidores.

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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A Primeira Visão de Joseph Smith, versão de 1832

Anteriormente eu já havia publicado aqui no blog um artigo sobre as várias versões sobre a Primeira Visão de Joseph Smith, desta vez em minhas pesquisas, ao me deparar com o relato em sua íntegra resolvo disponibilizá-lo aqui em caráter exclusivo para os leitores do Diário História SUD (DHS) pela primeira vez em português para que possa servir para futuras consultas.

Primeiramente gostaria de informar que este material traduzido trata-se do único relato de Joseph Smith sobre sua Primeira Visão em que o próprio escreveu, que é datado de 1832(veja figura) sendo que nas outras versões encontramos escritos de outros líderes e membros da Igreja. Para iniciarmos sua leitura gostaria de ressaltar alguns elementos-chave deste relato:
  • Joseph Smith inicia um estudo profundo das Escrituras com a idade de 12 anos.
  • Sentia-se responsável pelos seus pecados
  • Determinava que todas as Igrejas estavam erradas 
  • Nenhuma menção aos reavivamentos religiosos da época
  • Omite qualquer descrição de busca por tesouros escondidos 
  • Idade de 15 anos (No seu 16º. De aniversário) 
  • Lugar da visão não é definido
  • Visão do Salvador - Jesus Cristo
  • Disse que seus pecados foram perdoados. Tinha caído em trangressão.  
  • Nesta época, Joseph Smith havia ditado a seção 84 de Doutrina e Convênios, afirmando que nenhum homem poderia ver a face de Deus sem o Sacerdócio e viver (D&C 84:22) 

Registro da Primeira Visão de Joseph Smith datado de 1832, escrito por ele mesmo:

... Assim, por volta da idade de doze anos minha mente se ocupava sobre todas as importantes questões do bem-estar de minha alma imortal, que me levou a buscar nas escrituras, crendo no que havia sido me ensinado de que continham a palavra do Senhor. Assim, me aplicando desta forma  nelas e no meu íntimo conhecimento daqueles de diferentes denominações, me levaram a questionar àqueles congregantes o porque não adornavam suas profissões através dos sagrados caminhos e conversas divinas que eu encontrara contidas naquele sagrado depositório. Isto era um sofrimento para minha alma. Assim, por volta da idade de doze a quinze anos, eu ponderava sobre muitas coisas em meu coração sobre a situação do mundo e da humanidade, suas contendas e suas divisões, suas abominações e da escuridão que impregnava as mentes da humanidade. Minha mente ficou extremamente angustiada porque reconheci meus pecados e pesquisando as escrituras, descobri que a humanidade não se tinha chegado ao Senhor, mas que tinham se apostatado da fé verdadeira e viva e não havia sociedade ou denominação que tivesse construído sobre o evangelho de Jesus Cristo tal qual registrado no Novo Testamento e comecei a lamentar pelos meus próprios pecados e pelos pecados do mundo...
E eis que, clamei ao Senhor por misericórdia porque não havia mais ninguém a quem eu pudesse alcançar e obter a misericórdia, e o Senhor ouviu o meu clamor no deserto e enquanto estava em atitude de clamar à Deus no ano 16º. da minha idade, um pilar de luz mais brilhante que o  sol ao meio-dia veio de cima e pousou sobre mim, e eu estava cheio do espírito de Deus e Senhor abriu os céus acima de mim e eu vi o Senhor, e ele falou-me dizendo:  Joseph meu filho os teus pecados te são perdoados. Vais agora em teu caminho e ande nos meus estatutos e guardes os meus mandamentos;  pois eu sou o Senhor da glória que foi crucificado por todo o mundo para todos àqueles que acreditam em meu nome possam ter vida Eterna; pois eis que o mundo jaz no pecado, e neste momento não fazem bem nenhum;  eles se desviaram do evangelho e não guardam os meus mandamentos;  eles se aproximam de mim com seus lábios enquanto seus corações estão longe de mim e minha ira se inflamará contra os habitantes da terra para visitá-los de acordo com o que já vos tenho falado pela boca dos profetas e apóstolos e eis que venho sem demora, uma vez que está escrito de mim, na nuvem revestida na glória de meu Pai.  E minha alma se encheu de amor e por muitos dias pude me regozijar com uma grande alegria pois o Senhor estava comigo, mas não pude encontrar nenhum que acreditasse nesta visão celestial. No entanto, eu ponderava sobre essas coisas em meu coração...


Fontes: Dean C. Jesse, ed., The Papers of Joseph Smith: Autobiographical and Historical Writings, 2+ vols. (Salt Lake City: Deseret Book Co., 1989-), 1:5-7. Os manuscritos originais de Joseph Smith encontram-se nos Arquivos da Igreja (LDS Church Archives)

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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Feliz Aniversário, Ficção Mórmon

A primeira obra de ficção Mórmon foi publicado 166 anos atrás, hoje, na primeira página do New York Herald, portanto, se a ficção Mórmon tem aniversário, acontece hoje.

Mas, hoje não é o aniversário do nascimento da literatura mórmon, o qual está ligada à publicação do Livro de Mórmon. Outras obras da literatura seguiram daí, incluindo discursos, tratados doutrinários e poesia. Mas só em 1844 foi publicado uma obra de ficção mórmon.

A primeira obra publicada tampouco foi a primeira escrita, pois Parley P. Pratt, evidentemente, leu uma obra que escreveu, O Anjo das Pradarias, para Joseph Smith e outros, em Nauvoo, no inverno ou no início da primavera de 1844, mas essa obra só foi publicado em 1880. Ele depois escreveu Um diálogo entre Joseph Smith e o Diabo na primavera de 1844, enquanto estava perto de Boston, e foi publicado no New York Herald no domingo, dia 25 de agosto de 1844.

O diálogo é muito inteligente e divertido, bem como algo que dá uma visão interessante de como Pratt percebeu a percepção pública do mormonismo. O brinde final no fim do diálogo merece o esforço de ler o diálogo, se você ainda não o tenha lido. E enquanto o diálogo é tão didático e propagandístico como você esperaria de uma obra como esta, ele é, no entanto, um bom começo para obras de ficção Mórmon. Já se publicou muitas obras mórmons piores.

Embora que eu pense que o Diálogo entre Joseph Smith e do Diabo foi a obra de ficção de Pratt mais bem-sucedida, ele também escreveu pelo menos três outras obras de ficção, incluindo o Anjo das Pradarias, outro diálogo e uma peça, mas os dois últimos permanecem inéditos.

Em comemoração deste aniversário, dê Um diálogo entre Joseph Smith e o Diabo outra leitura, ou lê-lo pela primeira vez, se você já não o tenha lido.

Ou apenas dar uma olhada neste trecho da primeira página do New York Herald da manhã de domingo, 25 de agosto de 1844:


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Uma posteridade branca e deleitosa: origens do casamento plural




A crença na origem israelita dos povos ameríndios e a prática do casamento plural são certamente duas características marcantes da experiência mórmon. Poucos estudiosos entre nós estão familiarizados, no entanto, com a conexão histórica existente entre as duas doutrinas; tampouco a influência do Livro de Mórmon na instituição do casamento plural parece ter sido avaliada com a devida consideração.
A primeira revelação conhecida a aludir à prática da poligamia (ainda que sem mencioná-la explicitamente) ordenava que um grupo de élderes em missão buscasse esposas indígenas para que sua descendência pudesse retornar a um estado de pureza e retidão, conforme havia sido profetizado no Livro de Mórmon. O casamento divinamente ordenado entre mórmons e índios seria o meio de tornar isso realidade.

No cabeçalho da seção 132 de Doutrina e Convênios, lê-se a afirmação de que “é evidente, pelos registros históricos, que as doutrinas e princípios envolvidos nesta revelação [de 1843, sobre o casamento celestial plural] eram do conhecimento do Profeta [Joseph Smith] desde 1831”. Embora durante o processo de tradução do Livro de Mórmon, Joseph Smith já tivesse se deparado com a questão da pluralidade de esposas [1] – o que antecederia para 1829 seu primeiro contato com tais “doutrinas e princípios”–, é significativa a menção de 1831, ano em que se vislumbram os primórdios do casamento plural mórmon. É nesse ano que Joseph e Emma vão para o estado de Ohio, onde Joseph conheceria a maior parte de suas futuras esposas plurais. É também de 1831 a revelação analisada a seguir.

Na região oeste do condado de Jackson, no Missouri, junto a um grupo de missionários que incluía Oliver Cowdery e William W. Phelps, Joseph Smith recebeu uma revelação em que Jesus Cristo os ordena a desposar mulheres dentre os indígenas. Uma vez que muitos dos missionários já eram casados, seguir o mandamento dado faria deles polígamos:

Em verdade, em verdade, diz o Senhor, vosso Redentor, o próprio Jesus Cristo, a luz e a vida do mundo que não podeis discernir com vossos olhos naturais, o desígnio e propósito de teu Senhor e teu Deus em trazê-los ao ermo, para uma prova de vossa fé – e para serdes testemunhas especiais para prestar testemunho desta terra, sobre a qual a Sião de Deus deverá ser construída nos últimos dias, quando for redimida.(...)

Em verdade vos digo que a sabedoria do homem, em seu estado decaído, não conhece os propósitos e privilégios do meu santo sacerdócio, mas vós sabereis quando receberdes uma plenitude em razão da unção; pois é minha vontade que, em tempo, deveis tomar para vós esposas dentre os lamanitas e nefitas, para que sua posteridade possa tornar-se branca, deleitosa e justa, pois mesmo agora suas mulheres são mais virtuosas do que as gentias. [2]


Embora não se saiba quantos naquele momento de fato tentaram seguir a admoestação divina ou que sucesso obtiveram, esta constitui a primeira revelação moderna de que se tem registro em que a pluralidade de esposas está presente. É interessante que antecedendo o mandamento de unir pelo matrimônio mórmons e indígenas haja a referência inicial à futura cidade de Sião, já que de acordo com desenvolvimentos doutrinários posteriores, a Nova Jerusalém seria construída conjuntamente pelos santos dos últimos dias e os lamanitas. [3] Afinal, os indígenas são vistos como indivíduos “mais virtuosos” do que os norte-americanos brancos, sendo a posteridade de antepassados hebreus que haviam colonizado o continente.

O mandamento de desposar as mulheres “lamanitas e nefitas” é exposto como um dos “privilégios do meu santo sacerdócio”, ainda não compreendidos pela Igreja. A ideia do casamento plural como um privilégio ou lei terá eco por toda a história da prática. [4] O entendimento futuro sobre tal lei viria de uma “plenitude da unção”, sugerindo novamente que a compreensão dos santos sobre o sacerdócio era ainda incompleto. Uma década depois, começaria a se desenvolver de forma explícita o conceito de que o casamento plural é um dos elementos que constituem a plenitude do evangelho. [5]

O propósito da união com as mulheres indígenas, de acordo com o texto da revelação é que “sua posteridade possa tornar-se branca, deleitosa e justa”. Aqui surge claramente um eco do Livro de Mórmon, em que a profecia sobre a futura restauração da casa de Israel a seu antigo status e relacionamento com Deus inclui a descendência dos antigos habitantes das Américas:

E então os remanescentes de nossa semente terão conhecimento de nós (...).

E o evangelho de Jesus Cristo será proclamado a eles; portanto o conhecimento sobre seus pais lhes será restituído, como também o conhecimento sobre Jesus Cristo, que seus pais possuíam.

E aí se regozijarão; (...) e antes que se passem muitas gerações, tornar-se-ão um povo branco e agradável. [6]


Essa transformação da aparência física dos lamanitas ocorre em dado momento da narrativa do Livro de Mórmon, quando a sua conversão os leva a se unirem aos nefitas. Como resultado dessa união, “seus filhos e filhas tornaram-se sumamente belos”, uma afirmação que parece sugerir que a união entre lamanitas convertidos e nefitas incluía o matrimônio entre as duas linhagens:

E acontecei que os lamanitas que se haviam unido aos nefitas foram contados com os nefitas;

E a maldição foi retirada deles e sua pele tornou-se branca como a dos nefitas;

E seus filhos e filhas tornaram-se sumamente belos e foram contados com os nefitas. (...) [7]


Ao ordenar que missionários brancos desposassem mulheres descendentes dos antigos lamanitas e nefitas, a revelação de 1831 não apenas retoma a profecia de que sua posteridade seria novamente “branca e deleitosa”, mas coloca o meio para que isso viesse a acontecer, assim como narrado no Livro de Mórmon. A revelação, por algum motivo, não foi publicada em Doutrina e Convênios ou nos periódicos da época, de forma que nunca se tornou de amplo conhecimento dos membros ou sequer das autoridades gerais. O texto da revelação que chegou até nós é parte de uma carta endereçada a Brigham Young, escrita por William W. Phelps, participante daquela missão, trinta anos depois do acontecimento. Tendo tomado conhecimento da doutrina exposta na revelação através da carta de Phelps ou em outro momento anterior, o fato é que as doutrinas ensinadas por Brigham Young no oeste, bem como suas ações para com os índios do território, sugerem que ele também acreditava nos mesmos princípios de trazer uma posteridade “branca e deleitosa” para os indígenas.

A seguinte observação de T. B. H. Stenhouse, em seu livro de 1873, mesmo que repleta de ironia, parece ser verossímil sobre a aplicação do mesmo princípio exposto na revelação de 1831, décadas depois, por parte do apóstolo Heber C. Kimball no proselitismo entre os indígenas do oeste:

Ele [Brigham Young] enviou certa vez uma missão para Fort Linahi, Salmon River. (...) Quando Brigham e Heber depois visitaram os missionários para ver que sucesso estavam tendo, Heber, em seu estilo peculiar, lhes disse que não via como as predições modernas poderiam ser cumpridas sobre os índios se tornarem “um povo branco e deleitoso” sem estender a poligamia aos nativos. A chegada do exército dos Estados Unidos, em 1857, contribuiu para acabar com aquela missão, mas não antes da sugestão de Heber ter sido claramente compreendida e a profecia meio cumprida! Heber era muito prático e acreditava que as pessoas nunca deveriam pedir “ao Senhor” para fazer por elas aquilo que poderiam fazer por si mesmas e, uma vez que toda Israel estivera orando para que os índios se tornassem prontamente um “povo branco e deleitoso", ele pensava ser dever dos missionários auxiliar “o Senhor” a cumprir suas promessas. (…) Mais de um missionário parece tê-lo entendido perfeitamente! [8]


Pela revelação de 1831, percebe-se que um importante elemento do Livro de Mórmon estava relacionado ao início da história do casamento plural. O fato pode ser surpreendente para os que, numa leitura rápida, se acostumaram a ver na narrativa de Jacó uma condenação da poligamia. A necessidade que sentiam os pioneiros de cumprir a profecia do registro nefita e agir pela salvação da posteridade de Leí, para que voltasse a ser “branca, deleitosa e justa”, lançava os fundamentos do que ainda viria a ser um dos fundamento da religião dos santos dos últimos dias, o casamento plural.

A doutrina sobre o selamento ou a eternidade do matrimônio ainda estava muito longe de ser revelada ou desenvolvida; o texto da revelação, porém, aponta para um tempo futuro em que seria revelada uma “plenitude” e os “privilégios do sacerdócio” seriam ensinados e vividos. O entendimento histórico da revelação aqui analisada mostra como a doutrina do casamento plural já era vislumbrada no início da Igreja de modo muito mais concreto do que se imaginava.


NOTAS

[1] Em Jacó 2:22-35, a prática desautorizada do casamento plural é condenada. É feita a afirmação, porém, de que “se eu [o Senhor] quiser suscitar posteridade para mim, (...) ordenarei isso ao meu povo” (versículo 30).

[2] Revelação dada por intermédio de Joseph Smith, no Condado de Jackson, Missouri, em 17 de julho de 1831. Relatada por William W. Phelps em carta a Brigham Young, em 12 de agosto de 1861. Collier, Fred. Unpublished revelations, 10:4, p.58. Leia aqui o texto completo da revelação em português.

[3] Em algumas afirmações, os lamanitas são os principais responsáveis pela construção de Sião, enquanto os efraimitas brancos têm um papel coadjuvante. Ver, por exemplo, Orson Pratt, Journal of Discourses 9:178, em julho de 1855: “Acredito com todo meu coração (…) que este povo será nosso escudo em dias futuros. (…) Vocês não sabem que (..) aqueles que abraçam o Evangelho dentre os gentios terão o privilégio de ajudar os lamanitas a construir a cidade chamada de Nova Jerusalém?”.

Falecido recentemente, o ex-setenta autoridade geral George P. Lee, de origem navajo, questionava a hierarquia sud no que se referia ao abandono desta e de outras doutrinas relativas aos indígenas.

[4] D&C 132:58,64 fala da pluralidade de esposas como “a lei de meu sacerdócio”. O uso da palavra “privilégios” também é comum entre os relatos dos primeiros poligamistas mórmons para se referirem à prática.

[5] D&C 132:6: "E quanto ao novo e eterno convênio, foi instituído para a plenitude de minha bglória; e aquele que recebe sua plenitude deve cumprir a lei e cumpri-la-á; caso contrário, será condenado, diz o Senhor Deus".

[6] 2 Néfi 30:4-6. Já antes de 1978, a edição sud do Livro de Mórmon havia mudado “branco e agradável” para “puro e agradável”, como consta na edição atual. Várias outras referências à pele clara ou escura de nefitas e lamanitas permaneceram, dada a importância destas na narrativa.

[7] 3 Néfi 2:14-16.

[8] The Rocky Mountain saints, p. 657-659.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

“Assim diz o Senhor” sobre James Strang: duas revelações não-canonizadas




Pouco parece ter sido explorado na história mórmon sobre a percepção que a hierarquia SUD teve do movimento dissidente de Strang. Duas revelações que não fazem parte do cânon de escrituras mórmons podem nos ajudar nesse entendimento. Neste artigo, apresento pela primeira vez em língua portuguesa estas duas revelações pouco conhecidas e tento destacar algumas das afirmações feitas dentro do seu universo discursivo.

Em James Strang e as testemunhas do Livro de Mórmon (partes 1 e 2), Flauber Barros esboçou um panorama desse movimento surgido após o assassinato de Joseph e Hyrum Smith e a conseqüente crise sobre a sucessão na Igreja. Ainda que minoritário desde o princípio, o movimento de Strang foi capaz de atrair personagens importantes da história mórmon, mesmo que a liderança reivindicada por ele não remetesse a nenhum dos prováveis princípios pelos quais o profeta Joseph poderia ser sucedido. O carisma pessoal de Strang e seus relatos sobre acontecimentos sobrenaturais ou proféticos devem ter pesado na influência exercida sobre seus seguidores e simpatizantes.

O impacto de Strang sobre a unidade da Igreja SUD talvez possa ser melhor dimensionado pela leitura de duas revelações recebidas a seu respeito por apóstolos da Igreja em 1846, em Nauvoo, reproduzidas a seguir. A primeira delas, recebida por Brigham Young diretamente para Reuben Miller, nunca foi publicada pela Igreja e é traduzida aqui integralmente; já a segunda, recebida por Orson Hyde, foi publicada no periódico Millenial Star e, devido à sua maior extensão, não está traduzida em sua totalidade.

Revelação recebida por Brigham Young para Reuben Miller em 30 de janeiro de 1846 em Nauvoo, Illinois.

Assim diz o Senhor a Reuben Miller através de Brigham Young – que Strang é um homem iníquo e corrupto e suas revelações são tão falsas quanto ele. Portanto, desvia-te da sua tolice – e nunca seja dito de Reuben Miller que ele já foi desviado e apanhado por tal disparate.[1]



O texto da revelação acima constrói um paralelo entre o indivíduo Strang e suas supostas revelações: uma vez que Strang é “iníquo e corrupto”, suas revelações são igualmente “falsas”, como uma expressão de seu próprio caráter. Sua liderança é classificada então em termos que remetem a um absurdo: “tolice” e “disparate”.

Revelação dada através de Orson Hyde em abril de 1846, em Nauvoo, Illinois.

Em minhas meditações nesta manhã, o Espírito do Senhor veio sobre mim e fui levado a escrever; estando pesaroso no meu espírito devido a falsas pretensões, por pessoas que almejam o mal, de ganhar poder e desviar o rebanho de Deus, sussurrou a mim e disse:
Homens maus, ambiciosos de poder, devem surgir entre vocês, e eles deverão ser levados pela sua própria vontade e não por mim. No entanto, eles são instrumentos em minhas mãos e lhes é permitido tentar meu povo e colher dentre eles aqueles que não são os eleitos, e aqueles que são indignos de vida eterna.

Não esteja pesaroso, nem de luto, nem seja alarmado. Meu povo conhece a minha voz e também a voz de meu espírito, e um estranho não seguirão; portanto, aqueles que seguem estranhos não são meu povo.

Eis que James J. Strang amaldiçoou meu povo por seu próprio espírito e não pelo meu.
Nunca em qualquer momento apontei aquele homem iníquo para liderar meu povo, nem pela minha própria voz, nem pela voz de meu servo Joseph Smith, nem pela voz de meu anjo: mas ele tentou enganar e Satanás o ajudou:

Mas antes do passado foi ele o ordenado para reunir o joio do campo e meus anjos o escolheram para fazê-lo porque ele era um homem iníquo, assim como Judas foi escolhido para trair seu Senhor. (...)

Que o homem que coloca sua confiança em mim não se perturbe sobre os seus direitos.
Os dignos terão seus direitos e nenhum poder pode evitá-lo, pois eu lhes darei os corações do meu povo, e sua voz é minha voz, assim como minha voz é a voz de meu pai; e o que ligarem na terra, eu ligarei no céu.

Mas os indignos não têm direitos a não ser esses: arrependimento ou condenação. [2]



A revelação recebida pelo apóstolo Orson Hyde chama a atenção pelo fato de nela a voz do Senhor falar em Strang como um dos “instrumentos” para reunir “aqueles que não são os eleitos”, “o joio do campo”, um papel para o qual Strang teria sido “ordenado” a cumprir, “assim como Judas foi escolhido para trair seu Senhor”, sugerindo uma pré-ordenação anterior à mortalidade. Enquanto a “tolice” e “disparate” mencionados na revelação a Reuben Miller sugerem que Strang poderia estar simplesmente mentindo ou fora de si, a revelação publicada no Millenial Star diz que Strang “tentou enganar e Satanás o ajudou”, apontando para a possibilidade de que os eventos sobrenaturais narrados por Strang tivessem sido produzidos por influência satânica.

Uma mensagem de conforto também caracteriza a revelação, com o Senhor falando a Orson para não se sentir “pesaroso, nem de luto, nem [ser] alarmado”. No contexto de confusão e disputa de liderança, os “direitos” dos apóstolos liderarem aquele processo de transição lhes é assegurado, à medida que “os corações do meu povo” são colocados em harmonia com aqueles que devem liderar. No final, a habilidade de reconhecer a liderança investida de autoridade divina repousa na identidade ou origem espiritual de cada indivíduo, remetendo à alegoria bíblica de que a voz do pastor é reconhecida apenas pelo rebanho que de fato lhe pertence: “meu povo conhece a minha voz e também a voz de meu espírito”. Haveria também aqui uma alusão ao evento conhecido com a transfiguração de Brigham Young, quando alguns santos disseram ter testemunhado Brigham Young falar com a voz do profeta assassinado?

A disputa pelo manto profético de Joseph Smith não poderia dispensar uma realidade espiritual reivindicada por cada um dos pólos envolvidos. Numa perspectiva histórica, as revelações recebidas por Brigham Young e Orson Hyde expressam uma continuidade do exercício de dons proféticos em que estava baseado o movimento iniciado por Joseph Smith. Publicada no jornal da Igreja, a revelação dada por intermédio de Orson Hyde transmitia ao santos que se mantiveram sob a liderança dos Doze a confirmação de que estavam do lado correto. Diante de todo o esforço e pressa para completar o templo de Nauvoo antes do êxodo para as Montanhas Rochosas, também lhes é assegurado um reconhecimento das ordenanças realizadas, almejando um efeito eterno: “o que ligarem na terra, eu ligarei no céu”.


NOTAS

[1] Lieut. Gen. Brigham Young Journal, 31 de janeiro de 1846, manuscrito no acervo da biblioteca da Universidade de Utah. Collier, Fred. Unpublished revelations. p. 104.

[2] Millenial Star, VII, no 10, May 15, 1846, p 157-158. Collier, Fred. Unpublished revelations. p. 104-105.

sábado, 14 de agosto de 2010

As testemunhas do Livro de Mórmon e James J. Strang, parte 2

 Em 11 de maio de 1846, Lucy Smith, numa carta a Reuben Hedlock, escreveu:
Estou contente que Joseph designou a  J. J. Strang. É verdadeiro.
Naquele mesmo dia, o ex-apóstolo Willian Smith informou Hedlock: “James J. Strang tem a designação e nós temos a evidência para isto. Toda a família Smith com excessão da viúva de Hyrum apoiou a Strang.” (1)

Willian posteriormente testificou: “Quanto as afirmações do irmão James J. Strang, como o Presidente de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Profeta, Vidente e Revelador, não tenho qualquer dúvida, quanto a sua designação pelo meu irmão[Joseph] e sua confirmação pela administração de anjos... por tanto Jeová tem revelado a mim. “ (2)

Os três Whitmers e Hiram Page leram o folheto de Strang na primavera de 1846 e escreveram cartas de lealdade.(3)

John Whitmer testificou: “Deus sabendo de todas as coisas, preparou um homem a quem ele visitou através de um anjo divino e lhe mostrou aonde estavam alguns registros antigos escondidos... o qual seu nome é James J. Strang.” (4)

Em setembro de 1846, o Voree Herald nomeou Harris como membro do sumo-conselho de Strang em Kirtland e anunciou seu chamado missionário na Inglaterra.(5)
Sobre esta questão, o editor publicou, “Estão envolvidos na fé conosco quase todos os melhores pregadores da Igreja, todas as testemunhas vivas do Livro de Mórmon, com excessão de uma,  e cada membro sobrevivente da família de Joseph Smith.” (6)

Esta testemunha viva que não se juntou com Strang era Oliver Cowdery. Seu pai, Willian Cowdery, converteu-se no verão de 1846. (7) Um ano depois, Oliver se mudou para Elkhorn, Wisconsin, distante doze milhas de Voree,  quartel general de Strang e se associou com a Igreja, muito embora é desconhecido o quão próxima era sua filiação.(8)

É interessante observar que, todos os que assinaram como testemunhas vivas do Livro de Mórmon, com excessão, possivelmente de Oliver Cowdery, aceitaram a James J. Strang como seu líder, chamado por anjos, placas de metal e sua tradução como autêntica.  Esta repetição de um padrão anterior de crença nos leva a questionar como tinha sido relativamente fácil para as testemunhas aceitar as placas de ouro de Joseph Smith como registro antigo. Observando suas formas de pensar nos leva a compreender as origens Mórmons em seus próprios termos.

(1) Lucy Smith à Reuben Hedlock, 11 de maio de 1846; Willian Smith à Reuben Hedlock, 11 de maio de 1846, ambos no publicados no Voree Herald 1 (junho de 1846): [1]; veja também "Brigham Young Manuscript History", 27 de janeiro de 1847, LDS Archives.

(2) Willian Smith à "Church of Jesus Christ of Latter Day Saints" [Strang], 28 de julho de 1846 em Zion's[Voree]Reveille 1 (dezembro de 1846): 3.


(3) Hiram Page à James J. Strang, Abril de 1846, parafraseado por Strang no Gospel Herald de 20 de janeiro de 1848, 206.


(4) Bruce N. Westergreen, ed., "From Historian to Dissident: The Book of John Whitmer (Salt Lake City: Signature Books, 1995), 194. John Whitmer mais tarde adicionou este testemunho.


(5) "Kirtland" no Voree Herald 1 (setembro de 1846): (1-2); veja também Orson Hyde em "Martin Harris", Latter-day saints Millenial Star, 15 de novembro de 1846, 124-28.


(6) "Kirtland" no Voree Herald, [4].

(7) idem., [2]

(8) Stanley R. Gunn, Oliver Cowdery: Second Elder and Scribe (Salt Lake City: Bookcraft, 1962), 189.


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terça-feira, 10 de agosto de 2010

As testemunhas do Livro de Mórmon e James J.Strang, parte 1


Joseph Smith não estava sozinho produzindo testemunhas de registros antigos. James J. Strang, assim como Joseph produziu onze testemunhas que testificaram que também viram e tocaram placas de metal antigas. Depois da morte de Joseph em junho de 1844, Strang afirmava ser seu sucessor na linha de profetas. (1)

No dia 1 de setembro de 1845, relatou que tinha sido visitado por um anjo que lhe disse sobre “o trecho do relato que estava selado de meu servo  Joseph Smith. A ti está reservado,”  disse o anjo. Strang disse que recebeu o “Urim e o Tumim”, os quais revelaram o local aonde estava o registro de “um povo antigo”. Duas semanas depois, quatro testemunhas – Aaron Smith, Jirah B.Wheelan, James M.Van Nostrand e Edward Weitcomb – desenterraram estas placas sob a direção de Strang. Numa afirmação conjunta, as testemunhas relataram como encontraram as placas e testificaram que viram e as examinaram.  As placas eram cobertas de “caracteres com uma linguagem que não temos conhecimento” (2)
Centenas de outros examinaram estas placas. C.Latham Sholes, editor do Southport Telegraph , escreveu após sua descoberta:  “As placas nos foram mostradas e nós visitamos e examinamos o local aonde as mesmas foram encontradas.” Sholes não se utilizou da opinião editorial mas afirmou que, em seu julgamento, Strang era “honesto e sério em tudo o que dizia” e que suas testemunhas estavam “entre os mais honestos e inteligentes da vizinhança.”(3)

Algum tempo depois que Strang traduziu seus escritos, ele anunciou que lhe havia sido revelado aonde as antigas placas de Labão estavam enterradas. (Este era o mesmo Labão de quem Néfi tomou as placas de latão em Jerusalém durante o reinado de Zedequias, rei de Judá.) Destes registros, Strang traduziu quarenta e sete capítulos do que chamou de  “O Livro da Lei do Senhor”. Sete testemunhas assinaram em seu prefácio da primeira edição:

TESTEMUNHO
Saibam todas as nações, tribos, línguas e povos a quem este Livro da Lei do Senhor chegar, que James J.Strang tem as placas... que nos foram mostradas . Nós examinamos  as placas com nossos olhos e as seguramos em nossas mãos . As gravações que elas contêm são belas e nos parecem ser uma obra antiga e de uma impressionante aparência com línguas orientais...
[As placas]  são 18 em número, cerca de sete polegadas por 3,8 de largura e nove polegadas de comprimento...

SAMUEL GRAHAM,
SAMUEL P.BACON,
WARREN POST,
PHINEAS WRIGHT,
ALBERT N.HOSMER,
EBENEZER PAGE,
JEHIEL SAVAGE. (4)

Samuel Graham era o escriba na tradução das placas de Labão. Mais tarde ele foi excomungado, mas não existe evidência direta que ele ou qualquer dos outros dez homens houvesse negado seus testemunhos.(5)

É interessante notar que três dos Whitmers- David, John e Jacob – e Martin Harris, Hiram Page, Willian Smith e Lucy Smith, todos seguiram a liderança de Strang de 1846 a 1847, mesmo que nenhum deles houvesse se encontrado com ele. Eles se tornaram “Strangitas” depois de lerem num folheto de janeiro de 1846 um nota do Voree Herald, um órgão oficial da Igreja de Strang. Ele relatava sua reunião com Joseph Smith, suas visitações de anjos, um relato de suas testemunhas de como as placas foram desenterradas e tradução de parte da primeira série de placas. (6)

(1)  James J.Strang, "Letter from Joseph Smith to James J.Strang," 18 de junho de 1844, em Voree Herald 1[W1] (Jan. 1846); Roger Van Noord, King of Beaver Island: The Life and Assassination of James Jesse Strang (Urbana: University of Illinois Press, 1988), 4, 7-10.

(2) James J.Strang, "Revelation given to James J.Strang," 1 setembro de 1845, Voree Herald 1 (Jan.1846): [3-4]; Van Noord, King of Beaver Island, 33-35. Nenhuma destas quatro testemunhas era Santo dos Últimos Dias.

(3) C.Latham Sholes, Editorial, 30 setembro de 1845, Southport [W1] Telegraph, 30 de setembro de 1845; Van Noord, King of Beaver Island, 35-36. Para mais veja Gospel [Voree, W1] Herald, 23 de setembro de 1847; 21 de setembro, 26 de outubro 1848)

(4) James J.Strang, Book of the Law of the Lord (St.James [Beaver Island], MI, 1851 & 1856), 2; Van Noord, King of Beaver Island, 97. Page e Savage era antigos membros SUD.

(5) Van Noord, King of Beaver Island, 56-57, 163-64.

(6) Voree Herald 1 (Jan.1846): [1-4]; Willian Smith a James J.Strang, 1 de março de 1846, em Voree Herald 1 (Julho de 1846); Lucy Smith e seis membros de sua família assinaram uma carta apoiando Strang.


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sexta-feira, 30 de julho de 2010

A lei da adoção - parte 2



Para Joseph Smith, a exaltação no reino celestial dependia da obediência a todos os mandamentos e o recebimento de todas as ordenanças do evangelho. Conforme tentei esboçar na primeira parte deste artigo, entre tais mandamentos e ordenanças estava a inclusão do indivíduo numa família, a qual seria formada pelos vínculos do matrimônio (homem e mulher) e da adoção (homem a homem). Esses dois tipos de selamento, em suma, deveriam ligar os santos mais fiéis em uma única família, a família de Deus, tendo Joseph Smith como um elo entre a divindade e os santos, estabelecendo na mortalidade a única estrutura que existiria na eternidade. Orson Pratt lembra o seguinte fato sobre a organização familiar futura:

Quem serão os súditos sobre os quais reinarão aqueles que forem exaltados no Reino Celestial de nosso Deus? Eles reinarão sobre os filhos do próximo? Oh, não. Sobre quem então irão reinar? Seus próprios filhos, sua própria posteridade serão os cidadãos de seus reinos; em outras palavras, a ordem patriarcal prevalecerá até as infinitas eras da eternidade, e os filhos de cada patriarca serão seus enquanto as eternidades passam. (Journal of Discourses 15:319-320)


Pelo selamento da adoção, um homem adulto era inserido na família de outro homem adulto, estabelecendo entre eles uma relação de pai e filho que deveria se prolongar pelas eternidades. Introduzida aparentemente em 1842 a um grupo chamado Quórum dos Ungidos, a lei da adoção ainda marcaria a experiência mórmon de modo mais explícito.[1]


O êxodo para o oeste e a lei da adoção

Foi essa organização familiar, construída através dos convênios da lei de adoção e do casamento patriarcal, que esteve à frente do êxodo de Nauvoo para as Montanhas Rochosas, através das companhias que conduziram a Igreja de Jesus Cristo para o futuro território de Deseret, hoje Utah. Não foi gratuitamente que a organização do êxodo foi chamada em uma revelação de "Acampamento de Israel" (D&C 136:1). "Israel" não evocava uma estrutura apostólica, mas uma organização patriarcal, familiar, tribal, a qual os pioneiros queriam restaurar. [2]

Os dois relatos abaixo, de John D. Lee e Wilford Woodruff respectivamente, mostram como os grupos que deixariam Nauvoo rumo ao oeste foram organizados por critérios familiares, em que a lei da adoção estava presente:

No inverno de 1845, reuniões foram realizadas em toda a cidade de Nauvoo, e o espírito de Elias foi ensinado nas diferentes famílias como o fundamento para a ordem do casamento celestial, bem como a lei da adoção. (Life of John D. Lee, p.165)

Eu, Wilford Woodruff, organizei minha companhia familiar esta noite na minha casa, consistindo de 40 homens, a maioria chefes de família. Aqueles que se uniram a mim entraram em um convênio com mãos levantadas ao céu de manter todos os mandamentos e estatutos do Senhor nosso Deus e me apoiar em meu ofício.

Este foi um dia importante na História da Igreja em um aspecto. O Presidente Brigham Young reuniu-se com sua companhia ou organização familiar ou aqueles que foram adotados a ele ou iriam ser e os organizou em uma companhia da qual poderá crescer um povo que pode ser chamado de a tribo de Brigham Young. (...) E eles entraram em um convênio com mãos levantadas ao Céu com o Presidente Young e uns com os outros para caminhar em todas as ordenanças e mandamentos do Senhor nosso Deus. (Wilford Woodruff’s Journal, Vol. 3, p.119) [3]


A lei da adoção e o casamento plural que haviam sido introduzidos pelo profeta aos membros do Quórum dos Ungidos e do Conselho dos 50, agora eram praticados de maneira mais aberta após o assassinato de Joseph e Hyrum Smith., dando uma nova colaração à igreja que buscava uma terra de refúgio no oeste do continente. Esses dois princípios seriam publicamente enfatizados e institucionalizados durante a liderança de Brigham Young em Winter Quarters ("Acampamentpo de Inverno") e depois no oeste. É em Winter Quarters que Brigham Young relata ter uma visão em que Joseph Smith lhe aparece e o instrui sobre os princípios de adoção. [4] Como observado por Gordon Irving,

(…) enquanto o selamento era uma doutrina aceita em 1844, os santos em geral tiveram pouca oportunidade de se familiarizarem em termos práticos com a doutrina do selamento antes da morte de Joseph Smith. ( Gordon Irving. The Law of Adoption: One Phase of the Development of the Mormon Concept of Salvation, 1830-1900. BYU Studies, n. 3, Spring 1974)


Uma vez que os selamentos não estavam reservados apenas aos vivos, devendo incluir os que estavam do outro lado do véu, além de buscar um pai digno que estivesse na linhagem do sacerdócio, um homem deveria ser também um elo para que seus próprios antepassados já falecidos pudessem entrar na família. Os antepassados – homens e mulheres - deveriam ser por salvos através do batismo e demais ordenanças realizadas no templo e então adotados como posteridade.

Aquele que na vida mortal realizava a ordenança salvava aquele que a recebia no mundo pós-mortal, tendo por isso que presidir sobre quem salvasse. Joseph Smith se referiu ao conceito de ser um salvador e presidir futuramente sobre aqueles para quem o trabalho do templo é realizado:

Use de um pouco de inteligência e sele todos os que puder e quando chegar ao céu diga a seu pai que o que você sela na terra será selado no céu. Eu passarei o portão do céu e reivindicarei o que eu selo e os que seguem a mim e a meu conselho. (Teachings of the prophet Joseph Smith, p. 340)


Este é talvez um dos sentidos com que Brigham Young referiu-se a Joseph Smith como um deus - tendo sido um elo entre o homem e a divindade para que seus seguidores fossem adotados à família de deus e salvassem seus ancestrais, Joseph se tornara um salvador ou deus para seu povo:

Se vocês descobrirem quem Joseph era, saberão tanto sobre Deus quanto precisam no presente; pois ele disse: "Eu sou um Deus para este povo". (Journal of Discourses 4:271) [5]



"Nossos mortos"

Através da lei da adoção, era dado aos santos o privilégio de tornarem salvadores de seus próprios antepassados. A afirmação de que "eles, sem nós, não podem ser aperfeiçoados – nem podemos nós, sem nossos mortos, ser aperfeiçoados" [3], recebia uma interpretação diferente da que tem hoje na atual teologia sud: os antepassados precisavam de um salvador que recebesse as ordenanças a seu favor e que se tornaria um elo para adentrarem a família ou reino de Deus. Estes antepassados redimidos pelas ordenanças do evangelho (caso as aceitassem) seriam então parte da posteridade daqueles que trabalharam por sua salvação.

Sobre o trabalho pelos mortos, ele [Joseph Smith] disse que na ressurreição aqueles por quem se havia trabalhado cairiam aos pés dos que haviam realizado o trabalho por eles, beijariam seus pés, abraçariam seus joelhos e manifestariam a mais grandiosa gratidão. Não entendemos que bênção essas ordenanças são para eles. (Horace Cummings, citado por N.B. Lundwall, The Vision, p. 141)


Até 1894, o trabalho de redenção dos ancestrais já mortos, ao contrário do que é realizado atualmente nos templos da Igreja sud, requeria que estes fossem adotados como posteridade daquele que realizava tal trabalho, o qual se tornava um salvador no Monte Sião:

(...) se eu tiver um pai falecido que nunca ouviu este evangelho, seria de mim requerido redimi-lo e então tê-lo adotado na família de algum homem e eu adotado a meu pai? Respondo que não. Se temos que realizar as ordenanças de redenção para nossos familiares mortos, então nos tornamos seus Salvadores; e se tivéssemos que esperar para redimir nossos parentes falecidos antes de poder nos ligar à corrente do Sacerdócio, nunca conseguiríamos. (Manuscript sermons of Brigham Young, 1:76)


O selamento entre as gerações, entre mortos e vivos, não precisava reproduzir a sequência de nascimentos; ao contrário, os antepassados se tornavam filhos e filhas, a posteridade daquele que os redimia através da obra vicária no templo. A adoção, portanto, tinha um duplo aspecto: o homem era ligado à família real de Deus e Seu Filho, através de Joseph Smith, sendo selado a ele ou a outro homem que já estive selado à sua família, qualificando-se, então, para servir como um elo nessa corrente para seus próprios ancestrais, os quais eram adotados a ele.


Adoção dos ancestrais interrompida

Muitos santos dos últimos dias não estavam contentes com a lei da adoção e a maneira como influenciava a obra de salvação dos seus mortos. No final do séc. XIX, antes de interromper completamente a adoção de ancestrais falecidos como posteridade dos membros vivos, a Igreja já havia deixado aos presidentes de templo a decisão sobre como instruir os membros nessa questão, de forma que muitos santos já estavam sendo selados a seus pais biológicos falecidos, mesmo quando estes não haviam sido membros durante a vida mortal. O descontentamento com a lei da adoção era partilhado por parte das autoridades gerais, incluindo Wilford Woodruff, terceiro presidente da Igreja.

A lei da adoção que havia nascido ao lado do casamento celestial plural, tinha agora seu fim logo após o Manifesto de 1890. Em 1894, Woodruff, decidiu que a ordem de selamentos dos ancestrais deveria ser revertida, seguindo a ordem natural e cronológica da árvore familiar. Assim como no caso do Manifesto, não houve o registro de uma revelação que corroborasse a decisão tomada, embora houvesse, em ambos os casos, a alusão a revelações divinas.

A decisão de Wilford Woodruff deixou, à época, as ordenanças vicárias mais semelhantes ao que é realizado hoje nos templos sud. A nova diretriz foi proclamada por Woodruff na conferência de abril de 1894:

(...) o dever que quero que todo homem que preside um templo veja realizado deste dia em diante e para sempre, a não ser que o Senhor Todo Poderoso ordene em contrário, é que todo homem seja adotado a seu próprio pai. (...)


No entanto, apesar de interromper a prática dos membros serem adotados a um outro membro vivo, Wilford Woodruff ensinou que o princípio de adoção a cabeça da dispensação deveria ser mantido, selando o último ancestral encontrado na história da família a Joseph Smith:

Queremos que todos os santos dos últimos dias tracem suas genealogias até onde puderem e sejam selados a seus pais e mães. (...) Quando chegar ao fim, deixe o último homem ser selado a Joseph Smith, que permanece à cabeça desta dispensação. (James R. Clarck (org.), Messages of the first Presidency, 3:256; ênfase nossa)


Também os critérios de dignidade não poderiam ser postos de lado, de acordo com a nova diretriz. Woodruff, na mesma mensagem, fala do caso de homicidas que porventura alguém pudesse encontrar na sua genealogia:

"Mas," alguém diz, "suponha que cheguemos a um homem que talvez seja um assassino". Bem, se ele é um assassino, deixe-o de lado e conecte-se com o próximo homem depois dele. Mas o Espírito de Deus estará conosco nesta matéria. (ibidem)


Nesses dois últimos pontos, temos uma diferença em relação à atual obra vicária sud, uma vez que a adoção a Joseph Smith ou outra pessoa fora da linhagem familiar é impossível e nenhum critério de dignidade pessoal é mais aplicado aos mortos. [66] Infelizmente, ainda não pude determinar quando a prática de adoção a Joseph Smith foi totalmente abandonada. [7]

Sob a presidência de Wilford Woodruff, entre 1889 e 1898, a Igreja viveu um período de profundas mudanças que alterariam para sempre a igreja estabelecida por Joseph Smith. Sob a pressão do governo norte-americano, a Igreja se viu no limite da existência tanto legal quanto física, onde os aspectos econômico, político e social de Sião foram atacados diretamente, de forma que abdicar da Ordem Unida, do governo teocrático e do casamento plural foi o preço pago pela americanização de Utah. [8]

Diferentemente do casamento plural, a lei da adoção era bem menos conhecida do público norte-americano e, com certeza, bem menos chocante. No entanto, as palavras de Woodruff parecem sugerir um elo entre a adoção e um passado recente que a Igreja tentava abandonar. Falando sobre as distorções que a lei da adoção havia sofrido desde o início, o presidente Woodruff faz referência a John D. Lee, o único membro da Igreja penalizado pelo massacre de Mountain Meadows, ocorrido em 1857:

(...) um homem saia por Nauvoo pedindo a todo homem que pudesse, "se você for adotado a mim, eu vou estar à cabeça do reino e você estará lá comigo". Agora, qual a verdade sobre isso? Aqueles que foram adotados aquele homem, se forem com ele, terão que ir aonde ele está. Ele foi um participante naquele terrível episódio – o massacre de Mountain Meadow [sic]. (idem)


A seguir, Woodruff passa a defender Brigham Young, afirmando que este não teve envolvimento algum nos episódios de 11 de setembro de 1857. Chama a atenção o fato do nome de Lee não ser pronunciado por Woodruff; tampouco é mencionada sua condição como filho adotivo de Brigham Young - o fato referido é que outros homens haviam sido adotados a Lee. [9] Tendo relembrado John D. Lee - executado 17 anos antes - como um exemplo do potencial perigo a que se submeteram os que se selaram a ele, o presidente Woodruff diz que

Homens estão a perigo às vezes ao serem adotados a outros, até saberem quem eles são e o que farão. [10]



O fim de uma era

Enquanto o Manifesto de 1890 não findou totalmente a prática do casamento plural na Igreja sud, colocando-a de volta à esfera não-pública, como nos dias de Nauvoo, a mudança na ordem de selamentos dos mortos e o fim do selamento de um homem vivo a outro não encontraram uma resistência semelhante que fizesse com que a lei original da adoção sobrevivesse tal como os selamentos plurais após 1890. As distorções do princípio de adoção e a conseqüente disputa de status entre membros, as dúvidas doutrinárias sobre o princípio, a impopularidade do mesmo entre membros em geral e algumas das autoridades gerais, entre outros fatores, formaram um contexto propício para que a adoção iniciada em Nauvoo fosse abandonada durante a era de conciliação com a sociedade americana que Wilford Wodruff estabeleceu.

Tendo sido um dos princípios pelo qual o êxodo para o oeste fora organizado, a lei da adoção estava também relacionada à tentativa de sair dos EUA e estabelecer uma nova nação independente para os santos dos últimos dias. Em seu discurso de conferência, a alusão ao episódio de Mountain Meadows e o nome não pronunciado de John D. Lee podem sugerir essa forte associação concebida por Wilford Woodruff entre a adoção e o passado recente da Igreja. Woodruff sentia a necessidade de colocar a Igreja numa situação segura, longe dos atritos com os EUA, suas turbas e governo, que ele e seu povo haviam vivido por tanto tempo. Havia também uma nova geração de membros da Igreja que desejavam a americanização do território e, talvez, uma Igreja menos exclusivista e menos presentes nos aspectos familiares. Afinal, Utah era um novo estado americano e deveria estar em paz com o povo americano, abraçando também parte de sua moral e costumes.

Do ponto-de-vista da história mórmon, a lei da adoção se revela um tópico ainda pouco explorado, parte em função da pouca documentação disponível sobre seus primórdios e seu ocaso. Mas permanece como uma forte expressão da ênfase patriarcal e familiar deixada por Joseph Smith durante seus últimos anos de vida. Com o fim da Ordem Unida, do casamento plural e da adoção, bem como o abandono de pretensões teocráticas, o aspecto apostólico acabou por sobrepujar o aspecto patriarcal na teologia sud, fazendo com que a Igreja hoje pregue e pratique apenas uma parte do mormonismo desenvolvido em Nauvoo.


* A foto que ilustra este artigo é do templo de St George, o primeiro templo construído em Utah, dedicado em 06 de abril de 1877.


NOTAS

1 Não há registro conhecido de uma revelação escrita sobre a lei da adoção, tampouco quando os primeiros selamentos desse tipo foram realizados pela primeira vez. A maioria dos historiadores concorda, no entanto, com o ano de 1842 como o início da prática. A instituição da prática em 1842 seguiu o início dos selamentos de mulheres a seu esposo, em 1841 (sendo o primeiro selamento registrado o de Louisa Beaman ao profeta Joseph Smith em abril daquele ano), e a administração da investidura (em maio de 1842).

2 Durante o despertar religioso nos EUA do século XIX, não eram poucos os grupos que buscavam um retorno à pureza da igreja cristã primitiva; porém, o primitivismo mórmon buscava muito além da igreja neo-testamentária, indo até o passado israelita e os patriarcas de tempos imemoriais.

Enquanto a autoridade necessária para a restauração da ordem apostólica havia sido recebida de três personagens do Novo Testamento – Pedro, Tiago e João - em junho de 1830 (D&C 27:12; 128:20), chaves pertencentes à ordem patriarcal foram outorgadas, em abril de 1836, por outros três personagens relacionados ao Velho Testamento - Moisés e Elias, o profeta (em inglês, “Elijah”) e um terceiro mensageiro (também chamado de “Elias” na tradução brasileira de Doutrina e Convênios; em inglês, “Elias”) representando a autoridade de Abraão (D&C 110). (Ainda que a identidade de Elias não seja claramente estabelecida, baseado em uma possível relação com D&C 27:6-7, é especulado que esse Elias possa ser Noé.) Mereceria mais atenção a relação entre a restauração dessas chaves a Joseph Smith e Oliver Cowdery no templo de Kirtland e o estabelecimento das ordenanças em Nauvoo.

3 Comparar com a revelação em Doutrina e Convênios 136:4.

4 Manuscript history of Brigham Young, Feb. 23, 1847; Fred Collier. Unpublished revelations, p. 106-107.

5 Talvez Joseph tivesse em mente um paralelo entre si e Moisés na passagem de Êxodo 4:16, quando o Senhor fala a Moisés: "E ele [Aarão] falará por ti ao povo; e acontecerá que ele te será por boca , e tu lhe serás por Deus". Para Joseph, ambos – Moisés e ele próprio – eram não penas profetas que falavam em nome de Deus mas cabeças de dispensação, o que lhes dava uma dimensão ainda maior no plano divino.

6 Atualmente, na Igreja sud, embora o batismo de um homicida não seja permitido em vida sem a aprovação da Primeira Presidência, o mesmo não se aplica às ordenanças vicárias. Mesmo que um membro se depare com o nome de um antepassado que tenha cometido homicídio, não há orientação para que o batismo no templo não seja realizado ou o indivíduo em questão não seja incluído nos selamentos entre as gerações da família.

7 A publicação História da igreja na plenitude dos tempos, usada como manual de estudo do Instituto de Religião, dá a entender que o princípio de adoção foi totalmente abandonado a partir de 1894, sem citar o fato de que a adoção de um membro da família a Joseph Smith fazia parte da nova política (p. 446-447). Tampouco Gordon Irving discute o fato em seu artigo The Law of Adoption: One Phase of the Development of the Mormon Concept of Salvation, 1830-1900, publicado no periódico BYU Studies em 1974.

8 Para o sentimento dos santos dos últimos dias sobre os EUA antes do estabelecimento de Utah, ver o artigo A viagem do navio Brooklyn, de Kent Larsen.

9 Em abril de 1961, a Primeira Presidência e o Quórum dos Doze se reuniram para discutir o status de membro de John D. Lee, executado por um pelotão de fuzilamento em 1877 por causa de seu envolvimento no massacre ocorrido 20 anos antes. Foi decidido que Lee deveria ter sua condição de membro e suas bênçãos restauradas. As ordenanças foram então realizadas no mês seguinte no templo de Salt Lake. Juanita Brooks. The Mountain Meadows massacre, p. 223; David L. Bigler. Forgotten kingdom: the Mormon theocracy in the American West (1847-1896), p. 179.

10 Apesar de sugerir que o selamento (ou adoção) aos próprios ancestrais mortos seja mais seguro, o presidente Woodruff aqui não aplica aos mortos o mesmo raciocínio sobre "ir aonde eles estiverem", desconsiderando o fato de que sua trajetória mortal é em muitos casos desconhecida dos seus descendentes. Tampouco ele desenvolve o tema da validade ou não do selamento, ou sua dependência da integridade dos indivíduos envolvidos.