segunda-feira, 26 de abril de 2010

A Palavra de Sabedoria – suas origens

Para quem já está integrado na cultura mórmon já conhece esta norma de conduta dentro da Igreja, mas para quem eventualmente lê o blog e não tem idéia do que venha a ser a Palavra de Sabedoria, eis a explicação.

A palavra de sabedoria ensina que todos os membros que queiram seguir adequadamente a fé mórmon, receber “saúde para seus umbigos e medula para seus ossos”, serem dignos de partilhar o sacramento aos domingos junto com toda a congregação e entrarem nos Templos sagrados e recebererem as ordenanças para si e para seus entes queridos já falecidos devem se abster de fazer uso de certas substâncias nocivas ao corpo humano, especificamente o uso de tabaco, álcool, café, chá preto, drogas prejudiciais. Este código de saúde passou a fazer parte da cultura mórmon através de uma revelação dada ao profeta fundador da Igreja em 1833 e foi publicada em seu livro de mandamentos e revelações modernas mórmon chamado de Doutrina & Convênios seção 89, reproduzida aqui na íntegra:

1 Uma Palavra de Sabedoria, para o benefício do conselho de sumos sacerdotes, reunido em Kirtland, e da igreja e também dos santos de Sião—
  2 Para ser enviada como saudação; não como mandamento ou coerção, mas como revelação e palavra de sabedoria, manifestando a ordem e a vontade de Deus quanto à salvação física de todos os santos nos últimos dias—
  3 Dada como princípio com promessa, adaptada à capacidade dos fracos e do mais fraco de todos os santos, que são ou podem ser chamados santos.
  4 Eis que, em verdade, assim vos diz o Senhor: Devido a maldades e desígnios que existem e virão a existir no coração de homens conspiradores nos últimos dias, eu vos adverti e previno-vos, dando-vos esta palavra de sabedoria por revelação—
  5 Eis que não é bom nem aceitável aos olhos de vosso Pai que alguém entre vós tome vinho ou bebida forte, exceto quando vos reunis para oferecer vossos sacramentos perante ele.
  6 E eis que deve ser vinho, sim, vinho puro de uva da videira, de vossa própria fabricação.
  7 E também bebidas fortes não são para o ventre, mas para lavar vosso corpo.
  8 E também tabaco não é para o corpo nem para o ventre e não é bom para o homem, mas é uma erva para machucaduras e todo gado doente, a qual se deve usar com discernimento e habilidade.
  9 E também bebidas quentes não são para o corpo nem para o ventre.
  10 E também em verdade vos digo: Todas as ervas salutares indicou Deus para a constituição, natureza e uso do homem—
  11 Toda erva em sua estação e toda fruta em sua estação; todas essas para serem usadas com prudência e ação de graças.
  12 Sim, também a carne de animais e a das aves do ar, eu, o Senhor, indiquei para uso do homem, com gratidão; contudo, devem ser usadas moderadamente;
  13 Agrada-me que não sejam usadas a não ser no inverno ou em tempos de frio ou de fome.
  14 Todos os grãos são indicados para uso do homem e dos animais, para ser o esteio da vida, não só para o homem, mas também para os animais do campo e as aves do céu e todos os animais selvagens que correm ou rastejam na terra;
  15 E estes fez Deus para uso do homem apenas em épocas de escassez ou fome excessiva.
  16 Todos os grãos são bons para alimento do homem, como também o fruto da videira; aquilo que produz fruto, seja na terra ou acima da terra—
  17 Contudo, o trigo para o homem e o milho para o boi e a aveia para o cavalo e o centeio para as aves e os porcos e para todos os animais do campo; e a cevada para todos os animais úteis e para bebidas suaves, como também outros grãos.
  18 E todos os santos que se lembrarem de guardar e fazer estas coisas, obedecendo aos mandamentos, receberão saúde para o umbigo e medula para os ossos;
  19 E encontrarão sabedoria e grandes tesouros de conhecimento, sim, tesouros ocultos;
  20 E correrão e não se cansarão; e caminharão e não desfalecerão.
  21 E eu, o Senhor, faço-lhes uma promessa de que o anjo destruidor passará por eles, como os filhos de Israel, e não os matará. Amém.

Bem, quais foram as circunstâncias pelas quais esta revelação nos foi dada e quais são seus desdobramentos hoje em dia? Ora, existem dois tipos de estórias, uma que é passada e repassada dentro da Igreja e outra embasada nas pesquisas históricas do panorama da época, vamos ver ambas.

Para quem é membro SUD, sabe que quando somos ensinados através das aulas, discursos, seminários e institutos da Igreja a estória que vem  sempre atrelada a revelação da palavra de sabedoria é a comumente conhecida de Brigham Young, que descreveu mais tarde no “Jounal of Discourses” que na época, Joseph Smith vivia em Kirtland, numa casa de dois andares, os irmãos se reuniam no andar de cima da cozinha e Emma Smith reclamava constantemente com Joseph da sujeira que deixavam após estes encontros pois “a primeira coisa que [os Irmãos] faziam era acender seus cachimbos e enquanto fumavam, falavam das grande coisas do Reino e cuspiam por todo o chão” e “isto fez com o que Profeta pensasse sobre a questão e ele pediu ao Senhor em oração sobre a conduta dos Irmãos usando tabaco e a revelação conhecida como palavra de sabedoria foi o resultado desta indagação.” Journal of Discourses, Vol.XII, p.158.

Bom, esta é a versão que mais ouvimos na Igreja SUD e até encontramos em alguns manuais, vejamos o panorama histórico da ocasião:

Joseph Smith estava em Kirtland, as coisas na igreja SUD pareciam seguir tranquilas, as únicas discussões mais ferrenhas eram sobre teologia, nestes três anos sem perseguições as únicas coisas registradas pela História da Igreja que aborreciam a paz eram eventuais más-condutas de caráter sexual, bebedeiras de whiskey e heresia.

O sumo-conselho se inclinava para banir de vez o consumo de bebidas alcólicas da cidade mais do que qualquer outra coisa, até mais do que o adultério. O estado de Ohio estava se agitando para instituir a abstinência de bebidas alcólicas. Em 1834 já haviam nos Estados Unidos cinco mil sociedades organizadas que se abstinham de álcool com mais de um milhão de adeptos. A maioria destes estavam concentrados em Nova Iorque e Ohio. Tabaco era chamado na época de “prostrador de nervos, droga paralizadora de almas, uma carnal e ímpia luxúria.” Café era condenado como excitador de paixões e tomar Chá acreditava-se ser tão mau quanto um ponche quente. O periódico popular “Journal of the Health”, publicado entre 1829 e 1835 ressaltava a idéia de que o uso moderado de carne era responsável pelo vigor dos irlandeses e recomendava uma dieta vegetariana.

Bem, estas eram as circunstâncias que antecederam a revelação da palavra de sabedoria que foram dadas acordo palavra do Senhor através de Joseph Smith “não como mandamento ou coerção” mas apenas como um bom conselho de saúde. Tanto é que encontramos relatos de Joseph Smith bebendo em várias ocasiões e inclusive fazendo registro disto em seu diário. Durante um casamento em janeiro de 1836 ele descreve:

Nós partilhamos de um lanche e nossos corações se alegraram com o fruto da vinha. Isto de acordo com o padrão estabelecido pelo próprio Salvador e nós nos sentimos dispostos a partilhar de todas as instituições dos céus.” History of the Church, Vol.II, pp.252 ( para outros relatos veja também pp.369, 378 e 447)
Muito bem, esta era a concepção original da palavra de sabedoria, já tinha sido revelada por Joseph, e era tida apenas como tal qual foi revelada, um conselho, não mandamento e eventualmente Joseph e também outros líderes e membros tinha suas experiências com a bebida. Mas o que aconteceu para se tornar algo como vemos hoje como mandamento?

Quando o Sumo-Conselho resolveu fazer valer sobre si a palavra de sabedoria como mandamento em fevereiro de 1834 e que como regra quanto a desobediência acarretaria em privação de sua posição junto ao conselho, o que seria uma situação embaraçosa perante aos demais membros, Almon Babbit foi trazido à julgamento por beber, este se defendeu dizendo que sabia que era errado mas estava somente seguindo o exemplo do Presidente Joseph Smith.

Até o final daquele ano, no entanto, a pressão em torno de Joseph se tornou mais forte. Sidney Rigdon, um fanático entusiasta da abstinência do álcool em 4 de dezembro de 1836 forçou uma votação de total abstinência, Joseph concordou com a opinião e decisão dos demais membros do Sumo, como resultado, trocou o vinho do sacramento pela água e deixou o Sumo-Conselho fazer o pior;

A revelação eventualmente evoluiu para uma grande questão moral, o uso de chá, café, tabaco e álcool se tornou para o mórmon um divisor de águas, aonde rotulava seus membros como hereges ou desonrados. (Wilford Woodruff’s Journal, citado por Matthias F.Cowley em Wilford Woodruff, Salt Lake, 1909, p.65.)

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1 comments:

Investigadora disse...

Prezado Flauber

Tenho algumas questões em relação ao seu post:

1 - Se a bebida foi proibida antes da morte de Smith, por que na cadeia de Carthage, ele e seus companheiros usavam de vinho para acalmar seus corações?

2 - Se não era um mandamento, por que qualquer um que não seguisse a palavra de sabedoria não poderia ter cargos na igreja?

3 - Por que apenas Joseph Smith tinha o direito de vender bebidas alcoólicas em Nauvoo, visto que isso era considerado contra a palavra de sabedoria?

4 - Por que BY tinha uma destilaria, e muitos faziam uso do uísque? Este, inclusive era vendido, gerando lucros.

5 - Por que os mórmons continuaram produzindo vinho, inclusive pagando o dízimo em vinho, até que aceitar esse dízimo foi suspenso pois não havia mais lugar para manter os estoques?

6 - Por que a palavra de sabedoria não é seguida na íntegra? (os mórmons comem muita carne, carboidratos, "junk food" e tomam todos os tipos de bebidas quentes. Porém, até mesmo sopas e caldos quentes eram proibidos)

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