quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O Êxodo de Leí e nossos muitos êxodos: um lamento




























O êxodo é um tema constante nas escrituras judaico-cristãs. Esse êxodo consiste na busca de uma "terra prometida" ou "terra de promissão", deixando para trás uma sociedade corrompida que promove o pecado e oprime os justos. Trata-se não apenas de uma fuga ou migração mas, sobretudo, de um processo de transformação.

Exemplos desse tipo de jornada estão nos relatos sobre Abraão deixando a Caldéia após atentarem contra sua vida, sobre os israelitas partindo da escravidão do Egito e os mórmons fugindo da perseguição nos EUA. O êxodo israelita, no entanto, é o que serve mais claramente como um arquétipo do êxodo ordenado divinamente, além de ser um símbolo da expiação de Cristo e da transformação que ela pode proporcionar ao indivíduo e a um povo.

No cinema e na literatura, é comum que o herói ou heroína tenha uma mudança de atitude ao longo da viagem, ganhando uma nova percepção da vida ou que descubra suas raízes; também um grupo pode ser levado a resolver suas desavenças e estar mais unido. (Ver, por exemplo, filmes recentes como A grande viagem, A viagem de Chihiro e Uma vida brilhante.)

A libertação do cativeiro do Egito aponta - na leitura cristã - para a libertação do cativeiro da morte e do pecado através de Cristo. Por esse motivo, a páscoa sempre deveria ser celebrada ao longo de todas as gerações (Êxodo 12:14). O significado original da palavra "páscoa", (em hebraico, pessach) é "passagem", apontando para a libertação trazida pelo sacrifício do "Cordeiro de Deus" (João 1:29). O êxodo liderado por Moisés também alude à nossa mortalidade: estamos passando por diversas provações até que possamos receber nossas heranças. O Egito simboliza o pecado, que deve ser abandonado para receberemos uma herança no mundo celestial. O pecado nos mantém escravos, sem a liberdade proporcionada pela retidão e a verdade.

As etapas que levam ao êxodo poderiam ser resumidas da seguinte forma:

1. uma situação na terra natal se torna intolerável: iniqüidade, servidão ou perseguição;

2. o Senhor escolhe um profeta que deve alertar o povo e chamá-lo ao arrependimento. Ele irá liderar a busca de uma terra prometida;

3. aqueles que acreditam no profeta precisam deixar a comodidade e suas posses e fugir da sociedade em que vivem; esse acreditar se dá em cada pessoa em diferentes níveis, intensidades; e

4. eles herdam uma nova terra sob proteção divina; essa herança e proteção estão condicionadas ao crescimento espiritual daquelas pessoas.

A jornada traz provações e aprendizado que têm o objetivo de purificar e transformar as pessoas envolvidas – testes de fé, obediência, iniciativa, caridade, coragem, reverência.

De acordo com o relato do Livro de Mórmon, nas escrituras que a família de Leí trouxe de Jerusalém estava incluído o relato da fuga do Egito (nos cinco livros de Moisés). Néfi reconhece paralelos entre sua fuga de Jerusalém e o êxodo de Moisés (1 Néfi 4:2–3; 17:23–42). Como notado por Avraham Gileadi, alguns paralelos entre o êxodo de Jerusalém (com Lei) e o êxodo do Egito (com Moisés) incluem estes fatos:

- o Senhor ordena que deixem seus lares (1 Néfi 2:2; Êxodo 3:7–10);

- ordenança de sacrifício depois de 3 dias de jornada (1 Néfi 2:6–7; Êxodo 3:18);

- morar em tendas (1 Néfi 2:15; Êxodo 18:7; 33:8);

- instrução divina durante o êxodo (1 Néfi 16:10; Êxodo 13:21);

- dúvida, murmúrio e incompreensão (1 Néfi 2:11–13; 5:2; Êxodo 15:24; 16:2–3);

- desejo de retornar à terra e situação anteriores (1 Néfi 7:6–7; Números 14:3–4);

- registro de novas escrituras (1 Néfi 4:15–17; 5:11-13; Êxodo 17:14);

- vitória sobre inimigos (1 Néfi 4:2–3, 12–13; Êxodo 14:26–28; 17:8–13);

- promessa de uma nova terra de herança (1 Néfi 5:5; Êxodo 33:1–3).

No entanto, os escritos de Néfi não se limitam ao passado. Notemos que Néfi fala que sua família aplicava as escrituras (o Velho Testamento) à sua realidade (1 Néfi 19:23). Ao fazer isso, Néfi mostra o que seus leitores hoje devem fazer com o Livro de Mórmon, um livro escrito para gerações futuras, vivendo antes antes da segunda vinda de Cristo; um livro que não pode ser lido como uma descrição do passado apenas, mas como um alerta sobre o presente. O que acontece na sua narrativa, acontece hoje conosco, em nível individual, familiar e social. Por ter visto nossos dias (1 Néfi 13-15), Néfi é capaz de sintetizar o conhecimento mais importante para nossa realidade.

Dessa forma, o Livro de Mórmon nos prepara para entender os acontecimentos atuais: entendendo o passado, podemos entender o presente. E nos prepara também para o que está por vir: entendendo o passado, nos preparamos para o futuro.

Em Jeremias (um possível contemporâneo de Leí), lemos que futuramente o êxodo israelita da época de Moisés não será visto como algo tão grandioso se comparado ao futuro êxodo para Sião (a Nova Jerusalém):

Portanto, eis que dias vêm, diz o Senhor, em que nunca mais se dirá: Vive o SENHOR, que fez subir os filhos de Israel da terra do Egito. Mas: Vive o SENHOR, que fez subir os filhos de Israel da terra do norte, e de todas as terras para onde os tinha lançado; porque eu os farei voltar à sua terra, a qual dei a seus pais. (Jeremias 16:14-15)


Sobre esse futuro êxodo, o Senhor revelou a Joseph Smith:

Eis que digo que a redenção de Sião precisa vir por poder; portanto suscitarei um homem para meu povo, que os guiará como Moisés (...). Pois (...) necessário é que sejais tirados da escravidão por meio de poder e com um braço estendido. E assim como vossos pais foram guiados no princípio, assim será redenção de Sião. (D&C 103:15-18)


Mais uma vez, ao falar deste êxodo ainda por acontecer, são evidentes os paralelos com a libertação dos israelitas no Egito, com o Senhor mostrando através das escrituras um padrão ou "modelo" de relacionamento com seu povo, o qual devemos entender para não sermos "enganados" por Satanás (D&C 52:14).

Ao lermos sobre o êxodo de Leí e sua família para este continente, estamos sendo chamados ao arrependimento para não reproduzir a decadência ou apostasia que o povo do convênio teve na época de Lei, quando a aparência de religiosidade havia substituído a verdadeira espiritualidade exigida pelo Senhor. Lamã e Lemuel não podem acreditar na eminente destruição da grande cidade de Jerusalém porque seus habitantes mantém a obediência externa da religião (1 Néfi 2:11-13). E é justamente essa representação cínica que torna a religião vazia, mesmo quando se possui a autoridade necessária do sacerdócio (Isaías 1:11-23).

Temos hoje uma Igreja tão rica materialmente. Uma Igreja com tão boa reputação. Uma Igreja tão bem sucedida em coisas que pouco ou nada tem a ver com religião. Mais de US$ 1 bilhão estão sendo investidos pela Igreja na construção de um novo shopping center em Salt Lake. Que fantasias guiam nossas ações hoje, de forma a nos esquecermos de cuidar daqueles entre nós que estão no limiar da sobrevivência para construir edifícios grandes e espaçosos?

Talvez a corrupção a que chegamos faça mais necessário um outro êxodo, a ser feito por aqueles que não perderem a capacidade de sair de seu conforto e se mover em direção à liberdade.

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