O escrever da história Mórmon tem sido quase sempre polêmico--até as últimas décadas as histórias Mórmons pertenciam a um de dois grupos: os escritos por membros fiéis e os escritos por anti Mórmons.
Cada um desses grupos interpretara a história segundo as suas ideias preconcebidas. Os anti Mórmons queriam mostrar que a Igreja ou foi criado por homem ou era do diabo, dependendo se o autor acreditou em outra religião ou era ateu. Essas histórias viram a Igreja como uma tirania e os membros indivíduos (salvo os líderes) não tinham importância até que "escaparam" e "expuseram" o Mormonismo.
As histórias escritas por Mórmons, por sua vez, queriam expor claramente a mão de Deus em todos os eventos, para fortalecer a fé e convencer os leitores da sua veracidade. Assim, essas histórias soam como os autos antigos, nos quais cada decisão é uma escolha entre o bom e o mal, e todos os caracteres ou tem chapéu branco ou chapéu negro.
Ambos desses tipos de histórias eram pelo menos incompletos. Os anti Mórmons consideravam muitos eventos como algo sem importância, pois não concordaram com seu ponto de vista. Os Mórmons não incluíram a experiência ou ponto de vista dos que saírem da Igreja por não poder ajudar em fortalecer a fé. No pior das histórias, os escritores até inventaram dados para fortalecer o seu caso.
Começando nos anos 1950s com obras como The Mountain Meadows Massacre (O massacre de Mountain Meadows) de Juanita Brooks e Great Basin Kingdom (Reino na Grande Bacia) de Leonard Arrington, muitos acadêmicos escreveram segundo uma nova filosofia, um que creram ser mais honesto e menos polêmico. Esta filosofia quer entender em vez de evangelizar. O historiador Richard Bushman a caracteriza como "uma busca de identidade em vez de uma busca de autoridade."
O resultado dessa filosofia é que as histórias incluem menos apóstatas e menos iludidos, e mais humanos. As experiências sagradas são ainda sagradas, pois as pessoas que receberam essas experiências acreditaram que eram sagradas--para os historiadores dessa nova filosofia o que importa não é se as experiências eram de Deus ou não (os fiéis e os que não acreditam poderiam discutir se são ou não sem fim), mas sim como as pessoas na época entenderam essas experiências. A motivação dos que saíram da Igreja poderia ser algo político, econômico, psicológico ou cultural bem como uma falha espiritual ou uma "libertação" (como os anti Mórmons a entenderiam).
Com esse ponto de vista, as figuras históricas agora tem características humanas, e os historiadores Mórmons podem ver as múltiplas influências que entram em decisões e eventos. E suas experiências devem ser entendidas como essas figuras históricas as entenderam. Eles são julgados pelas suas próprias padrões.
Essa "Nova História Mórmon" não é sem detratores. Dos membros fieis da Igreja vem os tradicionalistas, que vem essa nova filosofia como uma difamação da Igreja e do sagrado. Para esses tradicionalistas, a não se admita que as decisões das líderes antigas da Igreja tenham influências alheias à de Deus. Dos não membros vem os secularistas, que querem entender a história sem a influência de Deus, mesmo se as figuras históricas entenderam as suas experiências assim. Esses querem explicar uma visão, por exemplo, como uma alucinação ou algo inventada. Mas em geral, essa nova filosofia se aceita bem.
Para os leitores essa questão de filosofia determina muito sobre como se aceita os eventos da história. Para quem ver a Igreja como guiado só pela mão de Deus, ou os membros como os dos chapéus brancos, é muitas vezes difícil aceitar os erros ou as coisas más que fizeram. É também difícil, as vezes, entender como os dos chapéus negros possam fazer coisas boas.
Richard Bushman indicou que essa questão de filosofia não faz parte do evangelho: "Os princípios do Evangelho não apontam para uma só forma de descrever o passado… [Essas formas] não podem ser deduzidas a partir de doutrinas teológicas." No entanto, ele indica que o evangelho deve influenciar a filosofia que o historiador usa, "O historiador Mórmon deve perguntar-se que valores regem seus escritos? O que determina o seu ponto de vista da causalidade, seu senso de importância, e suas preocupações morais?"
Nós, os leitores, em reagir aos textos da história Mórmon que lemos, devemos perguntar-nos a nos mesmos se estamos estudando história, ou se estamos buscando evidências de qual igreja é verdadeira. E temos que nos lembrar de que é possível que o autor de um livro tenha um propósito diferente do nosso.
terça-feira, 20 de julho de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comments:
É sempre melhor entender a narrativa histórica e sua interpretação no plural. Há uma quantidade de vozes diferentes nos relatos históricos. Como um crente na realidade espiritual, em muitos eu ouço sim a voz de Deus. Mas isso não apaga o fato de que há vozes humanas, inclusive algumas que ensaiam um ventriloquismo ;]
Esta postagem do Kent ajuda a esclarecer muito sobre o mal-estar que membros sentem ao se deparar com iniciativas que discutem o mormonismo de um ponto-de-vista cultural ou crítico. Tem que se ir além de uma dicotomia "nosso time" versus "os outros".
Uma reação natural desse mal-estar tem sido questionar as intenções de quem escreve ou diz ao invés dos fatos e argumentos expressos. Numa atitude defensiva, ataca-se o indivíduo - ele é apóstata, infiel, está se desviando, está alimentando o discurso anti-mórmon, etc.. São alguns dos clichês que ouvimos por aí.
Mas nada melhor do que o conhecimento para dissipar as trevas.
Iniciativas como este blog - um dos primeiros blogs sud de que eu tomo conhecimento que não é apologético -, como alguns fóruns e listas de discussão apontam para um amadurecimento da reflexão mórmon sobre sua própria história, rumos, tendências, personagens. A Conferência Brasileira de Estudos Mórmons é outro passo importante para que haja um espaço de reflexão e produção de conhecimento em nosso país.
Ótimo post! Obrigado por compartilhar pensamentos deste nível de maturidade.
Kent, qual a referência para suas citações do Bushman? Abraços!
1. Flanders, Robrt. "Some Reflections on the New Mormon History." Dialogue 9 no. 1 (Winter 1974), p. 36.
2. Bushman, Richard L. "Faithful History." Dialogue 4 no. 4 (Fall 1969), p. 13.
Também usei o seguinte artigo em formular esse post:
3. Alexander, Thomas G. "Historiography and the New Mormon History: A Historian's Perspective." Dialogue 19 no. 3 (Summer 1986), p. 25.
Postar um comentário