segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A Primeira Visão de Joseph Smith, versão de 1832

Anteriormente eu já havia publicado aqui no blog um artigo sobre as várias versões sobre a Primeira Visão de Joseph Smith, desta vez em minhas pesquisas, ao me deparar com o relato em sua íntegra resolvo disponibilizá-lo aqui em caráter exclusivo para os leitores do Diário História SUD (DHS) pela primeira vez em português para que possa servir para futuras consultas.

Primeiramente gostaria de informar que este material traduzido trata-se do único relato de Joseph Smith sobre sua Primeira Visão em que o próprio escreveu, que é datado de 1832(veja figura) sendo que nas outras versões encontramos escritos de outros líderes e membros da Igreja. Para iniciarmos sua leitura gostaria de ressaltar alguns elementos-chave deste relato:
  • Joseph Smith inicia um estudo profundo das Escrituras com a idade de 12 anos.
  • Sentia-se responsável pelos seus pecados
  • Determinava que todas as Igrejas estavam erradas 
  • Nenhuma menção aos reavivamentos religiosos da época
  • Omite qualquer descrição de busca por tesouros escondidos 
  • Idade de 15 anos (No seu 16º. De aniversário) 
  • Lugar da visão não é definido
  • Visão do Salvador - Jesus Cristo
  • Disse que seus pecados foram perdoados. Tinha caído em trangressão.  
  • Nesta época, Joseph Smith havia ditado a seção 84 de Doutrina e Convênios, afirmando que nenhum homem poderia ver a face de Deus sem o Sacerdócio e viver (D&C 84:22) 

Registro da Primeira Visão de Joseph Smith datado de 1832, escrito por ele mesmo:

... Assim, por volta da idade de doze anos minha mente se ocupava sobre todas as importantes questões do bem-estar de minha alma imortal, que me levou a buscar nas escrituras, crendo no que havia sido me ensinado de que continham a palavra do Senhor. Assim, me aplicando desta forma  nelas e no meu íntimo conhecimento daqueles de diferentes denominações, me levaram a questionar àqueles congregantes o porque não adornavam suas profissões através dos sagrados caminhos e conversas divinas que eu encontrara contidas naquele sagrado depositório. Isto era um sofrimento para minha alma. Assim, por volta da idade de doze a quinze anos, eu ponderava sobre muitas coisas em meu coração sobre a situação do mundo e da humanidade, suas contendas e suas divisões, suas abominações e da escuridão que impregnava as mentes da humanidade. Minha mente ficou extremamente angustiada porque reconheci meus pecados e pesquisando as escrituras, descobri que a humanidade não se tinha chegado ao Senhor, mas que tinham se apostatado da fé verdadeira e viva e não havia sociedade ou denominação que tivesse construído sobre o evangelho de Jesus Cristo tal qual registrado no Novo Testamento e comecei a lamentar pelos meus próprios pecados e pelos pecados do mundo...
E eis que, clamei ao Senhor por misericórdia porque não havia mais ninguém a quem eu pudesse alcançar e obter a misericórdia, e o Senhor ouviu o meu clamor no deserto e enquanto estava em atitude de clamar à Deus no ano 16º. da minha idade, um pilar de luz mais brilhante que o  sol ao meio-dia veio de cima e pousou sobre mim, e eu estava cheio do espírito de Deus e Senhor abriu os céus acima de mim e eu vi o Senhor, e ele falou-me dizendo:  Joseph meu filho os teus pecados te são perdoados. Vais agora em teu caminho e ande nos meus estatutos e guardes os meus mandamentos;  pois eu sou o Senhor da glória que foi crucificado por todo o mundo para todos àqueles que acreditam em meu nome possam ter vida Eterna; pois eis que o mundo jaz no pecado, e neste momento não fazem bem nenhum;  eles se desviaram do evangelho e não guardam os meus mandamentos;  eles se aproximam de mim com seus lábios enquanto seus corações estão longe de mim e minha ira se inflamará contra os habitantes da terra para visitá-los de acordo com o que já vos tenho falado pela boca dos profetas e apóstolos e eis que venho sem demora, uma vez que está escrito de mim, na nuvem revestida na glória de meu Pai.  E minha alma se encheu de amor e por muitos dias pude me regozijar com uma grande alegria pois o Senhor estava comigo, mas não pude encontrar nenhum que acreditasse nesta visão celestial. No entanto, eu ponderava sobre essas coisas em meu coração...


Fontes: Dean C. Jesse, ed., The Papers of Joseph Smith: Autobiographical and Historical Writings, 2+ vols. (Salt Lake City: Deseret Book Co., 1989-), 1:5-7. Os manuscritos originais de Joseph Smith encontram-se nos Arquivos da Igreja (LDS Church Archives)

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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Feliz Aniversário, Ficção Mórmon

A primeira obra de ficção Mórmon foi publicado 166 anos atrás, hoje, na primeira página do New York Herald, portanto, se a ficção Mórmon tem aniversário, acontece hoje.

Mas, hoje não é o aniversário do nascimento da literatura mórmon, o qual está ligada à publicação do Livro de Mórmon. Outras obras da literatura seguiram daí, incluindo discursos, tratados doutrinários e poesia. Mas só em 1844 foi publicado uma obra de ficção mórmon.

A primeira obra publicada tampouco foi a primeira escrita, pois Parley P. Pratt, evidentemente, leu uma obra que escreveu, O Anjo das Pradarias, para Joseph Smith e outros, em Nauvoo, no inverno ou no início da primavera de 1844, mas essa obra só foi publicado em 1880. Ele depois escreveu Um diálogo entre Joseph Smith e o Diabo na primavera de 1844, enquanto estava perto de Boston, e foi publicado no New York Herald no domingo, dia 25 de agosto de 1844.

O diálogo é muito inteligente e divertido, bem como algo que dá uma visão interessante de como Pratt percebeu a percepção pública do mormonismo. O brinde final no fim do diálogo merece o esforço de ler o diálogo, se você ainda não o tenha lido. E enquanto o diálogo é tão didático e propagandístico como você esperaria de uma obra como esta, ele é, no entanto, um bom começo para obras de ficção Mórmon. Já se publicou muitas obras mórmons piores.

Embora que eu pense que o Diálogo entre Joseph Smith e do Diabo foi a obra de ficção de Pratt mais bem-sucedida, ele também escreveu pelo menos três outras obras de ficção, incluindo o Anjo das Pradarias, outro diálogo e uma peça, mas os dois últimos permanecem inéditos.

Em comemoração deste aniversário, dê Um diálogo entre Joseph Smith e o Diabo outra leitura, ou lê-lo pela primeira vez, se você já não o tenha lido.

Ou apenas dar uma olhada neste trecho da primeira página do New York Herald da manhã de domingo, 25 de agosto de 1844:


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Uma posteridade branca e deleitosa: origens do casamento plural




A crença na origem israelita dos povos ameríndios e a prática do casamento plural são certamente duas características marcantes da experiência mórmon. Poucos estudiosos entre nós estão familiarizados, no entanto, com a conexão histórica existente entre as duas doutrinas; tampouco a influência do Livro de Mórmon na instituição do casamento plural parece ter sido avaliada com a devida consideração.
A primeira revelação conhecida a aludir à prática da poligamia (ainda que sem mencioná-la explicitamente) ordenava que um grupo de élderes em missão buscasse esposas indígenas para que sua descendência pudesse retornar a um estado de pureza e retidão, conforme havia sido profetizado no Livro de Mórmon. O casamento divinamente ordenado entre mórmons e índios seria o meio de tornar isso realidade.

No cabeçalho da seção 132 de Doutrina e Convênios, lê-se a afirmação de que “é evidente, pelos registros históricos, que as doutrinas e princípios envolvidos nesta revelação [de 1843, sobre o casamento celestial plural] eram do conhecimento do Profeta [Joseph Smith] desde 1831”. Embora durante o processo de tradução do Livro de Mórmon, Joseph Smith já tivesse se deparado com a questão da pluralidade de esposas [1] – o que antecederia para 1829 seu primeiro contato com tais “doutrinas e princípios”–, é significativa a menção de 1831, ano em que se vislumbram os primórdios do casamento plural mórmon. É nesse ano que Joseph e Emma vão para o estado de Ohio, onde Joseph conheceria a maior parte de suas futuras esposas plurais. É também de 1831 a revelação analisada a seguir.

Na região oeste do condado de Jackson, no Missouri, junto a um grupo de missionários que incluía Oliver Cowdery e William W. Phelps, Joseph Smith recebeu uma revelação em que Jesus Cristo os ordena a desposar mulheres dentre os indígenas. Uma vez que muitos dos missionários já eram casados, seguir o mandamento dado faria deles polígamos:

Em verdade, em verdade, diz o Senhor, vosso Redentor, o próprio Jesus Cristo, a luz e a vida do mundo que não podeis discernir com vossos olhos naturais, o desígnio e propósito de teu Senhor e teu Deus em trazê-los ao ermo, para uma prova de vossa fé – e para serdes testemunhas especiais para prestar testemunho desta terra, sobre a qual a Sião de Deus deverá ser construída nos últimos dias, quando for redimida.(...)

Em verdade vos digo que a sabedoria do homem, em seu estado decaído, não conhece os propósitos e privilégios do meu santo sacerdócio, mas vós sabereis quando receberdes uma plenitude em razão da unção; pois é minha vontade que, em tempo, deveis tomar para vós esposas dentre os lamanitas e nefitas, para que sua posteridade possa tornar-se branca, deleitosa e justa, pois mesmo agora suas mulheres são mais virtuosas do que as gentias. [2]


Embora não se saiba quantos naquele momento de fato tentaram seguir a admoestação divina ou que sucesso obtiveram, esta constitui a primeira revelação moderna de que se tem registro em que a pluralidade de esposas está presente. É interessante que antecedendo o mandamento de unir pelo matrimônio mórmons e indígenas haja a referência inicial à futura cidade de Sião, já que de acordo com desenvolvimentos doutrinários posteriores, a Nova Jerusalém seria construída conjuntamente pelos santos dos últimos dias e os lamanitas. [3] Afinal, os indígenas são vistos como indivíduos “mais virtuosos” do que os norte-americanos brancos, sendo a posteridade de antepassados hebreus que haviam colonizado o continente.

O mandamento de desposar as mulheres “lamanitas e nefitas” é exposto como um dos “privilégios do meu santo sacerdócio”, ainda não compreendidos pela Igreja. A ideia do casamento plural como um privilégio ou lei terá eco por toda a história da prática. [4] O entendimento futuro sobre tal lei viria de uma “plenitude da unção”, sugerindo novamente que a compreensão dos santos sobre o sacerdócio era ainda incompleto. Uma década depois, começaria a se desenvolver de forma explícita o conceito de que o casamento plural é um dos elementos que constituem a plenitude do evangelho. [5]

O propósito da união com as mulheres indígenas, de acordo com o texto da revelação é que “sua posteridade possa tornar-se branca, deleitosa e justa”. Aqui surge claramente um eco do Livro de Mórmon, em que a profecia sobre a futura restauração da casa de Israel a seu antigo status e relacionamento com Deus inclui a descendência dos antigos habitantes das Américas:

E então os remanescentes de nossa semente terão conhecimento de nós (...).

E o evangelho de Jesus Cristo será proclamado a eles; portanto o conhecimento sobre seus pais lhes será restituído, como também o conhecimento sobre Jesus Cristo, que seus pais possuíam.

E aí se regozijarão; (...) e antes que se passem muitas gerações, tornar-se-ão um povo branco e agradável. [6]


Essa transformação da aparência física dos lamanitas ocorre em dado momento da narrativa do Livro de Mórmon, quando a sua conversão os leva a se unirem aos nefitas. Como resultado dessa união, “seus filhos e filhas tornaram-se sumamente belos”, uma afirmação que parece sugerir que a união entre lamanitas convertidos e nefitas incluía o matrimônio entre as duas linhagens:

E acontecei que os lamanitas que se haviam unido aos nefitas foram contados com os nefitas;

E a maldição foi retirada deles e sua pele tornou-se branca como a dos nefitas;

E seus filhos e filhas tornaram-se sumamente belos e foram contados com os nefitas. (...) [7]


Ao ordenar que missionários brancos desposassem mulheres descendentes dos antigos lamanitas e nefitas, a revelação de 1831 não apenas retoma a profecia de que sua posteridade seria novamente “branca e deleitosa”, mas coloca o meio para que isso viesse a acontecer, assim como narrado no Livro de Mórmon. A revelação, por algum motivo, não foi publicada em Doutrina e Convênios ou nos periódicos da época, de forma que nunca se tornou de amplo conhecimento dos membros ou sequer das autoridades gerais. O texto da revelação que chegou até nós é parte de uma carta endereçada a Brigham Young, escrita por William W. Phelps, participante daquela missão, trinta anos depois do acontecimento. Tendo tomado conhecimento da doutrina exposta na revelação através da carta de Phelps ou em outro momento anterior, o fato é que as doutrinas ensinadas por Brigham Young no oeste, bem como suas ações para com os índios do território, sugerem que ele também acreditava nos mesmos princípios de trazer uma posteridade “branca e deleitosa” para os indígenas.

A seguinte observação de T. B. H. Stenhouse, em seu livro de 1873, mesmo que repleta de ironia, parece ser verossímil sobre a aplicação do mesmo princípio exposto na revelação de 1831, décadas depois, por parte do apóstolo Heber C. Kimball no proselitismo entre os indígenas do oeste:

Ele [Brigham Young] enviou certa vez uma missão para Fort Linahi, Salmon River. (...) Quando Brigham e Heber depois visitaram os missionários para ver que sucesso estavam tendo, Heber, em seu estilo peculiar, lhes disse que não via como as predições modernas poderiam ser cumpridas sobre os índios se tornarem “um povo branco e deleitoso” sem estender a poligamia aos nativos. A chegada do exército dos Estados Unidos, em 1857, contribuiu para acabar com aquela missão, mas não antes da sugestão de Heber ter sido claramente compreendida e a profecia meio cumprida! Heber era muito prático e acreditava que as pessoas nunca deveriam pedir “ao Senhor” para fazer por elas aquilo que poderiam fazer por si mesmas e, uma vez que toda Israel estivera orando para que os índios se tornassem prontamente um “povo branco e deleitoso", ele pensava ser dever dos missionários auxiliar “o Senhor” a cumprir suas promessas. (…) Mais de um missionário parece tê-lo entendido perfeitamente! [8]


Pela revelação de 1831, percebe-se que um importante elemento do Livro de Mórmon estava relacionado ao início da história do casamento plural. O fato pode ser surpreendente para os que, numa leitura rápida, se acostumaram a ver na narrativa de Jacó uma condenação da poligamia. A necessidade que sentiam os pioneiros de cumprir a profecia do registro nefita e agir pela salvação da posteridade de Leí, para que voltasse a ser “branca, deleitosa e justa”, lançava os fundamentos do que ainda viria a ser um dos fundamento da religião dos santos dos últimos dias, o casamento plural.

A doutrina sobre o selamento ou a eternidade do matrimônio ainda estava muito longe de ser revelada ou desenvolvida; o texto da revelação, porém, aponta para um tempo futuro em que seria revelada uma “plenitude” e os “privilégios do sacerdócio” seriam ensinados e vividos. O entendimento histórico da revelação aqui analisada mostra como a doutrina do casamento plural já era vislumbrada no início da Igreja de modo muito mais concreto do que se imaginava.


NOTAS

[1] Em Jacó 2:22-35, a prática desautorizada do casamento plural é condenada. É feita a afirmação, porém, de que “se eu [o Senhor] quiser suscitar posteridade para mim, (...) ordenarei isso ao meu povo” (versículo 30).

[2] Revelação dada por intermédio de Joseph Smith, no Condado de Jackson, Missouri, em 17 de julho de 1831. Relatada por William W. Phelps em carta a Brigham Young, em 12 de agosto de 1861. Collier, Fred. Unpublished revelations, 10:4, p.58. Leia aqui o texto completo da revelação em português.

[3] Em algumas afirmações, os lamanitas são os principais responsáveis pela construção de Sião, enquanto os efraimitas brancos têm um papel coadjuvante. Ver, por exemplo, Orson Pratt, Journal of Discourses 9:178, em julho de 1855: “Acredito com todo meu coração (…) que este povo será nosso escudo em dias futuros. (…) Vocês não sabem que (..) aqueles que abraçam o Evangelho dentre os gentios terão o privilégio de ajudar os lamanitas a construir a cidade chamada de Nova Jerusalém?”.

Falecido recentemente, o ex-setenta autoridade geral George P. Lee, de origem navajo, questionava a hierarquia sud no que se referia ao abandono desta e de outras doutrinas relativas aos indígenas.

[4] D&C 132:58,64 fala da pluralidade de esposas como “a lei de meu sacerdócio”. O uso da palavra “privilégios” também é comum entre os relatos dos primeiros poligamistas mórmons para se referirem à prática.

[5] D&C 132:6: "E quanto ao novo e eterno convênio, foi instituído para a plenitude de minha bglória; e aquele que recebe sua plenitude deve cumprir a lei e cumpri-la-á; caso contrário, será condenado, diz o Senhor Deus".

[6] 2 Néfi 30:4-6. Já antes de 1978, a edição sud do Livro de Mórmon havia mudado “branco e agradável” para “puro e agradável”, como consta na edição atual. Várias outras referências à pele clara ou escura de nefitas e lamanitas permaneceram, dada a importância destas na narrativa.

[7] 3 Néfi 2:14-16.

[8] The Rocky Mountain saints, p. 657-659.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

“Assim diz o Senhor” sobre James Strang: duas revelações não-canonizadas




Pouco parece ter sido explorado na história mórmon sobre a percepção que a hierarquia SUD teve do movimento dissidente de Strang. Duas revelações que não fazem parte do cânon de escrituras mórmons podem nos ajudar nesse entendimento. Neste artigo, apresento pela primeira vez em língua portuguesa estas duas revelações pouco conhecidas e tento destacar algumas das afirmações feitas dentro do seu universo discursivo.

Em James Strang e as testemunhas do Livro de Mórmon (partes 1 e 2), Flauber Barros esboçou um panorama desse movimento surgido após o assassinato de Joseph e Hyrum Smith e a conseqüente crise sobre a sucessão na Igreja. Ainda que minoritário desde o princípio, o movimento de Strang foi capaz de atrair personagens importantes da história mórmon, mesmo que a liderança reivindicada por ele não remetesse a nenhum dos prováveis princípios pelos quais o profeta Joseph poderia ser sucedido. O carisma pessoal de Strang e seus relatos sobre acontecimentos sobrenaturais ou proféticos devem ter pesado na influência exercida sobre seus seguidores e simpatizantes.

O impacto de Strang sobre a unidade da Igreja SUD talvez possa ser melhor dimensionado pela leitura de duas revelações recebidas a seu respeito por apóstolos da Igreja em 1846, em Nauvoo, reproduzidas a seguir. A primeira delas, recebida por Brigham Young diretamente para Reuben Miller, nunca foi publicada pela Igreja e é traduzida aqui integralmente; já a segunda, recebida por Orson Hyde, foi publicada no periódico Millenial Star e, devido à sua maior extensão, não está traduzida em sua totalidade.

Revelação recebida por Brigham Young para Reuben Miller em 30 de janeiro de 1846 em Nauvoo, Illinois.

Assim diz o Senhor a Reuben Miller através de Brigham Young – que Strang é um homem iníquo e corrupto e suas revelações são tão falsas quanto ele. Portanto, desvia-te da sua tolice – e nunca seja dito de Reuben Miller que ele já foi desviado e apanhado por tal disparate.[1]



O texto da revelação acima constrói um paralelo entre o indivíduo Strang e suas supostas revelações: uma vez que Strang é “iníquo e corrupto”, suas revelações são igualmente “falsas”, como uma expressão de seu próprio caráter. Sua liderança é classificada então em termos que remetem a um absurdo: “tolice” e “disparate”.

Revelação dada através de Orson Hyde em abril de 1846, em Nauvoo, Illinois.

Em minhas meditações nesta manhã, o Espírito do Senhor veio sobre mim e fui levado a escrever; estando pesaroso no meu espírito devido a falsas pretensões, por pessoas que almejam o mal, de ganhar poder e desviar o rebanho de Deus, sussurrou a mim e disse:
Homens maus, ambiciosos de poder, devem surgir entre vocês, e eles deverão ser levados pela sua própria vontade e não por mim. No entanto, eles são instrumentos em minhas mãos e lhes é permitido tentar meu povo e colher dentre eles aqueles que não são os eleitos, e aqueles que são indignos de vida eterna.

Não esteja pesaroso, nem de luto, nem seja alarmado. Meu povo conhece a minha voz e também a voz de meu espírito, e um estranho não seguirão; portanto, aqueles que seguem estranhos não são meu povo.

Eis que James J. Strang amaldiçoou meu povo por seu próprio espírito e não pelo meu.
Nunca em qualquer momento apontei aquele homem iníquo para liderar meu povo, nem pela minha própria voz, nem pela voz de meu servo Joseph Smith, nem pela voz de meu anjo: mas ele tentou enganar e Satanás o ajudou:

Mas antes do passado foi ele o ordenado para reunir o joio do campo e meus anjos o escolheram para fazê-lo porque ele era um homem iníquo, assim como Judas foi escolhido para trair seu Senhor. (...)

Que o homem que coloca sua confiança em mim não se perturbe sobre os seus direitos.
Os dignos terão seus direitos e nenhum poder pode evitá-lo, pois eu lhes darei os corações do meu povo, e sua voz é minha voz, assim como minha voz é a voz de meu pai; e o que ligarem na terra, eu ligarei no céu.

Mas os indignos não têm direitos a não ser esses: arrependimento ou condenação. [2]



A revelação recebida pelo apóstolo Orson Hyde chama a atenção pelo fato de nela a voz do Senhor falar em Strang como um dos “instrumentos” para reunir “aqueles que não são os eleitos”, “o joio do campo”, um papel para o qual Strang teria sido “ordenado” a cumprir, “assim como Judas foi escolhido para trair seu Senhor”, sugerindo uma pré-ordenação anterior à mortalidade. Enquanto a “tolice” e “disparate” mencionados na revelação a Reuben Miller sugerem que Strang poderia estar simplesmente mentindo ou fora de si, a revelação publicada no Millenial Star diz que Strang “tentou enganar e Satanás o ajudou”, apontando para a possibilidade de que os eventos sobrenaturais narrados por Strang tivessem sido produzidos por influência satânica.

Uma mensagem de conforto também caracteriza a revelação, com o Senhor falando a Orson para não se sentir “pesaroso, nem de luto, nem [ser] alarmado”. No contexto de confusão e disputa de liderança, os “direitos” dos apóstolos liderarem aquele processo de transição lhes é assegurado, à medida que “os corações do meu povo” são colocados em harmonia com aqueles que devem liderar. No final, a habilidade de reconhecer a liderança investida de autoridade divina repousa na identidade ou origem espiritual de cada indivíduo, remetendo à alegoria bíblica de que a voz do pastor é reconhecida apenas pelo rebanho que de fato lhe pertence: “meu povo conhece a minha voz e também a voz de meu espírito”. Haveria também aqui uma alusão ao evento conhecido com a transfiguração de Brigham Young, quando alguns santos disseram ter testemunhado Brigham Young falar com a voz do profeta assassinado?

A disputa pelo manto profético de Joseph Smith não poderia dispensar uma realidade espiritual reivindicada por cada um dos pólos envolvidos. Numa perspectiva histórica, as revelações recebidas por Brigham Young e Orson Hyde expressam uma continuidade do exercício de dons proféticos em que estava baseado o movimento iniciado por Joseph Smith. Publicada no jornal da Igreja, a revelação dada por intermédio de Orson Hyde transmitia ao santos que se mantiveram sob a liderança dos Doze a confirmação de que estavam do lado correto. Diante de todo o esforço e pressa para completar o templo de Nauvoo antes do êxodo para as Montanhas Rochosas, também lhes é assegurado um reconhecimento das ordenanças realizadas, almejando um efeito eterno: “o que ligarem na terra, eu ligarei no céu”.


NOTAS

[1] Lieut. Gen. Brigham Young Journal, 31 de janeiro de 1846, manuscrito no acervo da biblioteca da Universidade de Utah. Collier, Fred. Unpublished revelations. p. 104.

[2] Millenial Star, VII, no 10, May 15, 1846, p 157-158. Collier, Fred. Unpublished revelations. p. 104-105.

sábado, 14 de agosto de 2010

As testemunhas do Livro de Mórmon e James J. Strang, parte 2

 Em 11 de maio de 1846, Lucy Smith, numa carta a Reuben Hedlock, escreveu:
Estou contente que Joseph designou a  J. J. Strang. É verdadeiro.
Naquele mesmo dia, o ex-apóstolo Willian Smith informou Hedlock: “James J. Strang tem a designação e nós temos a evidência para isto. Toda a família Smith com excessão da viúva de Hyrum apoiou a Strang.” (1)

Willian posteriormente testificou: “Quanto as afirmações do irmão James J. Strang, como o Presidente de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, Profeta, Vidente e Revelador, não tenho qualquer dúvida, quanto a sua designação pelo meu irmão[Joseph] e sua confirmação pela administração de anjos... por tanto Jeová tem revelado a mim. “ (2)

Os três Whitmers e Hiram Page leram o folheto de Strang na primavera de 1846 e escreveram cartas de lealdade.(3)

John Whitmer testificou: “Deus sabendo de todas as coisas, preparou um homem a quem ele visitou através de um anjo divino e lhe mostrou aonde estavam alguns registros antigos escondidos... o qual seu nome é James J. Strang.” (4)

Em setembro de 1846, o Voree Herald nomeou Harris como membro do sumo-conselho de Strang em Kirtland e anunciou seu chamado missionário na Inglaterra.(5)
Sobre esta questão, o editor publicou, “Estão envolvidos na fé conosco quase todos os melhores pregadores da Igreja, todas as testemunhas vivas do Livro de Mórmon, com excessão de uma,  e cada membro sobrevivente da família de Joseph Smith.” (6)

Esta testemunha viva que não se juntou com Strang era Oliver Cowdery. Seu pai, Willian Cowdery, converteu-se no verão de 1846. (7) Um ano depois, Oliver se mudou para Elkhorn, Wisconsin, distante doze milhas de Voree,  quartel general de Strang e se associou com a Igreja, muito embora é desconhecido o quão próxima era sua filiação.(8)

É interessante observar que, todos os que assinaram como testemunhas vivas do Livro de Mórmon, com excessão, possivelmente de Oliver Cowdery, aceitaram a James J. Strang como seu líder, chamado por anjos, placas de metal e sua tradução como autêntica.  Esta repetição de um padrão anterior de crença nos leva a questionar como tinha sido relativamente fácil para as testemunhas aceitar as placas de ouro de Joseph Smith como registro antigo. Observando suas formas de pensar nos leva a compreender as origens Mórmons em seus próprios termos.

(1) Lucy Smith à Reuben Hedlock, 11 de maio de 1846; Willian Smith à Reuben Hedlock, 11 de maio de 1846, ambos no publicados no Voree Herald 1 (junho de 1846): [1]; veja também "Brigham Young Manuscript History", 27 de janeiro de 1847, LDS Archives.

(2) Willian Smith à "Church of Jesus Christ of Latter Day Saints" [Strang], 28 de julho de 1846 em Zion's[Voree]Reveille 1 (dezembro de 1846): 3.


(3) Hiram Page à James J. Strang, Abril de 1846, parafraseado por Strang no Gospel Herald de 20 de janeiro de 1848, 206.


(4) Bruce N. Westergreen, ed., "From Historian to Dissident: The Book of John Whitmer (Salt Lake City: Signature Books, 1995), 194. John Whitmer mais tarde adicionou este testemunho.


(5) "Kirtland" no Voree Herald 1 (setembro de 1846): (1-2); veja também Orson Hyde em "Martin Harris", Latter-day saints Millenial Star, 15 de novembro de 1846, 124-28.


(6) "Kirtland" no Voree Herald, [4].

(7) idem., [2]

(8) Stanley R. Gunn, Oliver Cowdery: Second Elder and Scribe (Salt Lake City: Bookcraft, 1962), 189.


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terça-feira, 10 de agosto de 2010

As testemunhas do Livro de Mórmon e James J.Strang, parte 1


Joseph Smith não estava sozinho produzindo testemunhas de registros antigos. James J. Strang, assim como Joseph produziu onze testemunhas que testificaram que também viram e tocaram placas de metal antigas. Depois da morte de Joseph em junho de 1844, Strang afirmava ser seu sucessor na linha de profetas. (1)

No dia 1 de setembro de 1845, relatou que tinha sido visitado por um anjo que lhe disse sobre “o trecho do relato que estava selado de meu servo  Joseph Smith. A ti está reservado,”  disse o anjo. Strang disse que recebeu o “Urim e o Tumim”, os quais revelaram o local aonde estava o registro de “um povo antigo”. Duas semanas depois, quatro testemunhas – Aaron Smith, Jirah B.Wheelan, James M.Van Nostrand e Edward Weitcomb – desenterraram estas placas sob a direção de Strang. Numa afirmação conjunta, as testemunhas relataram como encontraram as placas e testificaram que viram e as examinaram.  As placas eram cobertas de “caracteres com uma linguagem que não temos conhecimento” (2)
Centenas de outros examinaram estas placas. C.Latham Sholes, editor do Southport Telegraph , escreveu após sua descoberta:  “As placas nos foram mostradas e nós visitamos e examinamos o local aonde as mesmas foram encontradas.” Sholes não se utilizou da opinião editorial mas afirmou que, em seu julgamento, Strang era “honesto e sério em tudo o que dizia” e que suas testemunhas estavam “entre os mais honestos e inteligentes da vizinhança.”(3)

Algum tempo depois que Strang traduziu seus escritos, ele anunciou que lhe havia sido revelado aonde as antigas placas de Labão estavam enterradas. (Este era o mesmo Labão de quem Néfi tomou as placas de latão em Jerusalém durante o reinado de Zedequias, rei de Judá.) Destes registros, Strang traduziu quarenta e sete capítulos do que chamou de  “O Livro da Lei do Senhor”. Sete testemunhas assinaram em seu prefácio da primeira edição:

TESTEMUNHO
Saibam todas as nações, tribos, línguas e povos a quem este Livro da Lei do Senhor chegar, que James J.Strang tem as placas... que nos foram mostradas . Nós examinamos  as placas com nossos olhos e as seguramos em nossas mãos . As gravações que elas contêm são belas e nos parecem ser uma obra antiga e de uma impressionante aparência com línguas orientais...
[As placas]  são 18 em número, cerca de sete polegadas por 3,8 de largura e nove polegadas de comprimento...

SAMUEL GRAHAM,
SAMUEL P.BACON,
WARREN POST,
PHINEAS WRIGHT,
ALBERT N.HOSMER,
EBENEZER PAGE,
JEHIEL SAVAGE. (4)

Samuel Graham era o escriba na tradução das placas de Labão. Mais tarde ele foi excomungado, mas não existe evidência direta que ele ou qualquer dos outros dez homens houvesse negado seus testemunhos.(5)

É interessante notar que três dos Whitmers- David, John e Jacob – e Martin Harris, Hiram Page, Willian Smith e Lucy Smith, todos seguiram a liderança de Strang de 1846 a 1847, mesmo que nenhum deles houvesse se encontrado com ele. Eles se tornaram “Strangitas” depois de lerem num folheto de janeiro de 1846 um nota do Voree Herald, um órgão oficial da Igreja de Strang. Ele relatava sua reunião com Joseph Smith, suas visitações de anjos, um relato de suas testemunhas de como as placas foram desenterradas e tradução de parte da primeira série de placas. (6)

(1)  James J.Strang, "Letter from Joseph Smith to James J.Strang," 18 de junho de 1844, em Voree Herald 1[W1] (Jan. 1846); Roger Van Noord, King of Beaver Island: The Life and Assassination of James Jesse Strang (Urbana: University of Illinois Press, 1988), 4, 7-10.

(2) James J.Strang, "Revelation given to James J.Strang," 1 setembro de 1845, Voree Herald 1 (Jan.1846): [3-4]; Van Noord, King of Beaver Island, 33-35. Nenhuma destas quatro testemunhas era Santo dos Últimos Dias.

(3) C.Latham Sholes, Editorial, 30 setembro de 1845, Southport [W1] Telegraph, 30 de setembro de 1845; Van Noord, King of Beaver Island, 35-36. Para mais veja Gospel [Voree, W1] Herald, 23 de setembro de 1847; 21 de setembro, 26 de outubro 1848)

(4) James J.Strang, Book of the Law of the Lord (St.James [Beaver Island], MI, 1851 & 1856), 2; Van Noord, King of Beaver Island, 97. Page e Savage era antigos membros SUD.

(5) Van Noord, King of Beaver Island, 56-57, 163-64.

(6) Voree Herald 1 (Jan.1846): [1-4]; Willian Smith a James J.Strang, 1 de março de 1846, em Voree Herald 1 (Julho de 1846); Lucy Smith e seis membros de sua família assinaram uma carta apoiando Strang.


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